Encafuada na capital do capital capitulada por manha de uma certa pandemia, na primeira oportunidade de integrar delegação para inaugurações ao centro e sul, embarcou! Quão bom é reencontrar verdejantes solos infinitos no horizonte, emprestar os pulmões longe do empestado! Decidiu permanecer mais duas noites, seu lugar no voo voltando vazio.
No domingo que sucedeu a um prolongado de matar saudades, fez-se a conterra à paragem de autocarros, Macon na opção, bilhete comprado de 8h45, lugares marcados. Era nove no assento à janela, um nove que dobraria para coincidir com a hora de partida, porque certamente há de existir algum lugar onde Angola signifique ligeiro atraso.
Ela usa o truque bem aprendido dos anos de atendimento ao passageiro noutro sector, o da aviação civil, que isso de técnicas é um calo que nunca mais nos larga. Em situação daquela coisa aí que nos demanda açaime, nada melhor do que o banco ao lado vazio. O machimbombo modernizado parte do terminal de Benguela, uma finta na Catumbela, porém no Lobito impera a bexiga. Alguns Pax em trânsito desembarcam em brasa.
Vai-me desculpar mas este lugar é meu, reivindica a conterra. O outro lugar não está livre? Retruca a outra. Está mas os lugares estão marcados, é só seguir no bilhete… se reparou, há até garrafa de água na bolsa do assento, vim sentada aqui. A invasora, cara feia, levanta-se. Eu também o meu lugar é aquele, já encontrei já essa mana sentada. Assim vou fazer como? Antes de a legítima dizer o não sei da praxe, a invasora da invasora, carapuça nos cornos, cuja filha ocupava assento quando era suposto ir ao colo, refila: no autocarro tem muitos lugares, meu bilhete comprei ontem, não tem número!
A conterra por uns instantes rememora Mayday, desastres aéreos, documentários do Natgeo e a razão de ser dos lugares marcados conforme o manifesto. Em caso de sinistro fica mais fácil identificar quem ia onde. Mas dará tempo de palestrar? Perdoai-as, senhor.
A invasora, que tal como a conterra e a invasora dois ia na casa dos 40 e tal, prossegue passivo-agressiva. Então assim vou sentar aonde se eu ir lá atrás tiro tudo? Eu também!, responde a invasora dois. Não estás a ver até já preparei o saco? Eu no fundo vomito bwé. E lá se acomoda a invasora no banco dez, na coxia, mas não pára quieta. Agora liga a música no seu telemóvel e murmura o louvor. Ah, não tem auscultador?! Pergunta de retórica a conterra, auxiliada pela expressão corporal policial que logo aborta a DJ. Caramba, essa gente então como é? Já imaginou se todos tocarem suas músicas?!
Bem, ainda antes de deixar o terminal batia-lhe o ombro um ancião em jeito de favor. Ajuda só a controlar essa menina, vai descer no Cabo Ledo. Aparentava ter uns dez anos. Vai-me desculpar, paizinho, o meu trabalho não permite assumir esta responsabilidade. E pensa consigo mesma: menor desacompanhada, sem documento, sem termos de responsabilidade... estamos doidos ou o quê?! Não tardou que outro jovem aceitasse.
No poeirento Sumbe capital do Kwanza Sul (que me perdoe o padroeiro da toponímia colonializada, por não escrever com C de cu), aquela paragem para troca de motoristas, sempre bem aproveitada para compritas. Quem desce não reconhece o bafo no interior do machimbombo. XÉ, Ó SENHOR! Indigna-se um jovem. Você vai subir com peixe seco no ar condicionado?! O visado faz silêncio ao saco preto com duas vistosas tábuas de corvina escalada. WEY, CHAMA O MOTORISTA! Se a gente soubesse, também era subir com nosso cabrito que metemos no porão. Os demais apressam-se a abrir as janelas, vamos morrer com esse cheiro no AC, oh pai do Céu! E lá o motorista recolhia o peixe.
A passar o Longa, lá atrás ouve-se música enlatada do telefone de alguém com notório mau ouvido. Ninguém protesta. Dessa vez a conterra, que não se imagina vivenciar algo idêntico num avião, engole em seco. Só o letreiro do barbeiro tio Toy para desanuviar.
Já embutidos com churrasco de galinha rija, refrigerantes e cervejas, intervalados com os vómitos de tirar o próprio fígado protagonizados pela invasora da invasora, os pax desinibem-se. Minha mulher quando está grávida o desejo dela é fodido. Espera ainda, interrompe outro, escuta ainda o azar do meu amigo: dia seguinte ao casamento a mulher já lhe ligou, querido traz pão. Gargalhadas. Dizia eu, a minha mulher grávida só quer cheiro da fossa, fica mesmo aí a inalar, bafo de cocó é que lhe faz bem.
A conterra, que vem adiando a maternidade, não sabe se Neto, lá na solitária tumba, ri, faz poema, faz tiro ou prepara uma injecção letal para varrer de vez a estirpe do homem novo que não se recomenda para semente. De qualquer modo, falta pouco para chegar, o destino é terminal do Rocha. Lia-se no letreiro sonante no para-brisas via Gamek.
À entrada do Benfica, o motorista anuncia seco e irredutível, no relógio 19h30, pela hora, vou já para Viana, quem vai na cidade desce já aqui no triângulo da via expresso. Incrédula, a conterra vê os Pax feitos cordeiros. Atirada ali à sua sorte, foi pela sorte protegida até chegar à casa onde de imediato lavrou um e-mail de protesto. O mesmo teor remeteu no espaço de reclamações no site da transportadora. Pode ser que ainda antes da segunda vinda de Cristo a Macon formule desculpas. Melhor se conta como ficção.
Gociante Patissa | Luanda, 26 Setembro 2021
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Retrato perfeito da Angola que ainda tenho na memória.
A parte infeliz do meu povo, caríssimo Afonso Loureiro. Desespera é saber que a tendência só descamba. Um abraço e volte sempre
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