O Embaixador Luís Neto Kiambata, proeminente figura da história de luta anti-colonial em Angola, um dos primeiros a liderar a Agência de Notícias Angola Press (Angop) na primeira república, é um fazedor de opinião que muitas vezes bate o seu próprio recorde pela virulência no verbo. No músculo também, literalmente, reza a história. É-lhe atribuído um embaraço diplomático por conta de uma eloquente bofetada por si administrada a um jornalista português, já lá vão décadas. Mas o assunto hoje é outro.
"Será
que os 2 mil Km de fronteira que temos com o Congo Kinshansa (RDC) estão todos
controlados? Acho que não! Eu defendo que aqueles que atravessam a fronteira
ilegalmente e nos expõem ao risco do Coronavirus deviam ser abatidos! É matar,
porque a situação é grave", cito de memoria com elevada repulsa as
palavras do Embaixador Kiambata, proferidas ontem via telefone no espaço da
Televisão Pública de Angola dedicado à conversa com especialista.
Foi a
seguir à Conferência de imprensa para o ponto de situação da Comissão
Interministerial de combate ao Coronavírus, a qual deu a conhecer o registo de
mais um caso positivo de infecção pelo Covid-19, perfazendo 17 casos, dos quais
dois óbitos e duas recuperações. Curiosamente, todos “importados” através de
voos vindos de Portugal e Brasil.
Mais
adiante, o ancião sugeriu às autoridades a adopção da tortura com chicotadas no
rabo de quem trespassar a fronteira. E o que não falta ao diplomata é a ideia bem
clara de como administrar tais chibatadas migratórias focadas nos glúteos: em
público!
Quero
acreditar que tenha sido um pronunciamento a quente e que amanhã já terá um
discurso mais comedido. É de resto o mesmo optimismo com que muitos de nós digerimos
a metáfora do Ministro do Interior, Eugénio Laborinho, quando
confrontado com queixas sobre casos de excessos de zelo por parte das forças ordem,
no contexto do Estado de Emergência. Ao mesmo tempo que se desculpava, o
Ministro cuidou de esclarecer – na verdade desenganar gulosos em doçaria – que a
polícia não está na rua para distribuir rebuçados… e nem chocolates.
Voltando
ao Embaixador Kiambata, não sou propriamente adepto da visão expansionista
segundo a qual a pessoa deve sentir-se pertencente ao lugar geográfico que
goste/ame ou seja do seu interesse, apenas por assim ser. Desde logo porque é
uma narrativa injusta e desproporcional, sobretudo olhando para a história da
humanidade. O mesmo se aplica a qualquer outra proveniência. Se é para cumprir
as leis do Direito Internacional, pois então que assim seja, com todos os critérios
objectivos que regem as nações.
Não posso,
contudo, deixar de manifestar indignação perante uma sugestão tão radical como
esta do Embaixador Neto Kiambata, que pelos motivos óbvios tem
responsabilidades acrescidas na formação da mentalidade e consciência cívica.
Bastaria lembrar que Angola é contra a pena de morte e não se pode fazer
apologia ao abate de seres humanos, nem dentro nem na fronteira.
À
anfitriã do programa, Nadir Ferreira, dou igualmente uma nota negativa por não
ter rebatido logo a opinião do seu interlocutor, demarcando de imediato a
estação pública de uma tal diatribe, quanto mais não seja por se tratar de uma
figura tida como herói nacional (ainda jovem, na era colonial, Kiambata e um correligionário
tiveram a proeza de desviar um avião de
carreira, com tiroteio e tudo, rumo a um dos Congos onde se juntaram a outros
combatentes pela liberdade).
Precisamos
de frieza nas análises e não perder de vista o essencial, nomeadamente a
observância das medidas de prevenção e o repensar das nossas políticas
migratórias.
Repito,
matar para prevenir a morte, em contexto de saúde pública, não faz o menor
sentido.
Gociante Patissa (escritor e jornalista) | 07 Abril 2020 | | www.angodebates.blogspot.com
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