Estávamos
condenados a ir longe, 600 Km. A nos perdermos também. Não o conhecia e ele a
mim muito menos. Um empate técnico é como diriam os “lamentaristas” desportivos.
Melhor começo de viagem a dois era impossível. Ninguém podia dizer que levava vantagem,
de modo que o êxito da jornada dependia, valha a redundância, da interdependência
entre mim e o companheiro. Eu dirijo e ele suporta-me. Falo do carro.
Mal
pisei o pedal do acelerador, ouviu-se um trác,
do trancar centralizado de portas. Calma ali, ó meu! – dirigi-me ao
companheiro – Também não vamos exagerar. Repara que até tenho o cinto posto. É verdade
que não nos conhecemos, que já não vou para novo e que o meu sentido de
orientação até é péssimo, mas não me vejo a saltar com o carro em movimento,
Ok?! Enfim… E já não era a primeira partida naquele dia.
Como
se já não bastasse o motor se negar a pegar, por bateria descarregada, e gente
doida a pressionar para libertarmos o estacionamento, típico faroeste
rodoviário que Luanda é. A desgraça abre mercado a jovens de rua tarefeiros. O
carro do kota é automático, né? Vamos chamar um Tucson para fazer chantagem,
mas vai dar um saldo. Só três mili kwanza… Estás maluco ou o quê?! A essa
hora já queres fatigar três paus ao teu irmão?! Você é nosso, vamos disminuir. Mil kwanzas, ya? Ok.
E
não há cabos para o chante. Porra!, me fazem vir à toa dizendo que o kota tem cabo,
afinal não tem?! Estaca zero. Sai um telefonema para o Soberano Canhanga, um gajo
que nos prova a cada dia, a nós os leitores, que a carreira administrativa só aniquila
o escritor, querendo. Solícito, delega a seu subordinado, deve entrar para (mais)
uma reunião. Até que surge um vizinho com bateria sobressalente e lá se faz o
chante com a ajuda de duas chaves. Os jovens de rua embolsam metade. Muito obrigado.
Não há margem para arriscar, e lá sacudimos o bolso, em forma de conta
bancária, para uma bateria nova.
Depósito
cheio de diesel, pneus calibrados. Rasga-te, ó estrada! A paisagem é colírio. Conduz-se
bem, exceptuando curtos desvios de terra batida. Quatro horas depois, abrem-se entranhas
do Sumbe. Seis da tarde. No silêncio, o elogio pelo visível trabalho de obras. Os
chineses não brincam! Cinco anos se passaram desde a última vez que fiz o troço.
Já esteve pior, lembrava-me de ter ouvido. Quase a viagem toda é feita no
asfalto, insistia a reminiscência. Assim sendo, como até falta pouco, restava focar
o instinto no asfalto, mesmo depois do posto de controlo do Sumbe, diante da
traiçoeira estrada da Comarca.
A
dada altura, começo a estranhar alguns sinais. A estrada agora parece mais
estreita, serpenteante. Passo por aldeolas pacatas, iluminadas, toponímia alheia
à memória visual. Não vislumbro o clássico postal costeiro. Na dúvida, sintonizo
as rádios de Benguela. O sinal é cada vez mais cristalino, só pode ser porque
estou no bom caminho e perto.
Aceno,
apressado, à sede de Uco Seles. Às 20h recebe-me Conda e o asfalto morre. Boa
noite, jovem. Boa noite, tio. A estrada para Kanjala onde é? Mas aqui no bairro
não temos Kanjala. Então, e para o Kikombo? Ah, tens que voltar para o Sumbe, são
75 Km. Tento negociar um meio-termo. Mas não há outra via de chegar a Kikombo?
Infelizmente, não. E lá dou a meia-volta saldada em três horas perdidas e 150 Km
fora do plano. À meia-noite e meia chegávamos, triunfantes, ao destino,
Benguela. Ainda era só isso. Obrigado.
Gociante
Patissa | 20 Julho 2019 www.angodebates.blogspot.com
|imagem: Rede Angola
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