Comandante contemplava a partir do cais, com os profundos olhos de sua alma, o navio gigante que descrevia a última curva do seu destino, a baía da restinga, o porto do Lobito. Vinha dos lados de lá, onde, exactamente, não interessava saber na altura, talvez também não agora. O certo é que o homem estava quieto, estático mesmo, de pé, só olhando.
Are you sleeping, Commander? – perguntei-lhe, gesto do qual hoje me arrrependo, abortando o tão sublime momento.
No, I am watching New York… – respondia-me, com um inglês entoado a 2Pac, não obstante a correcção gramatical.
Envolto num silêncio artisticamente engrossado pelo bater das ondas na estrutura de betão, Comandante viajava na força da abestenção, longe dos eléctrodos, distante das controvérsias de uma vida para lá do portão.
O que representaria New York na cena que contemplava? Seria o movimento das águas, que se rasgavam com o aproximar do navio? Seria da maresia, ou estava na sensação de voar, não obstante os pés estarem assentes num solo esquentado pelo sol do meio-dia? Bom, devia ser muito atrevido o Comandante, atrás da sua postura sempre cordial e conciliadora… devia ser isso mesmo. É que estávamos em 1999, altura em que o conflito armado enchia de telas vermelhas esta terra, e de ácido nos olhares dos que a amam. O sonho da maioria era emigrar para Portugal, portanto dá para imaginar o atrevimento do outro em chamar para perto de si a longínqua América, como se já não bastasse a teimosia de se aplicar na aprenzagem do Inglês, comendo músicas e gramáticas vadias…
A New York imaginária de um “Commander”, cuja irreverência começava mesmo pela alcunha e respectiva tradução para o inglês, não passava de inconformismo hormonal da juventude. Apesar de se destacar pela altura e tom de maturidade com que se expressava, Comandante não passava de jovem angolano, com as utopias da nossa geração naquela época.
Obrigado, Comandante, por me teres levado contigo à New York dos teus sonhos, que só conhecias por essa via mesmo, já lá vão 11 anos. Pena é que não te possa levar desta vez para retribuir.
Um abraço de saudades dos velhos tempos no estaleiro do chefe Jean Louis Debout!
Gociante Patissa
Praia Morena, Benguela, 06 de Janeiro de 2009
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Oi Patissa!
Bela Crónica. Espero que continues assim, nessa caminhada, piois acredito que virás a ser o melhor dos escritores que benguela Já teve. Escreves com a alma, e com modernidade. Sou tua fã e estou contigo.
Paula Russa
Oi Patissa!
Bela Crónica. Espero que continues assim, nessa caminhada, piois acredito que virás a ser o melhor dos escritores que benguela Já teve. Escreves com a alma, e com modernidade. Sou tua fã e estou contigo.
Paula Russa
Olá Amigo Patissa!
Desculpa as minhas ausencias!
Espero que estejas bem!
Infelizmente, estou de cama com uma gripe terrível que me impede de me aproximar do meu sogro, o lado positivo, é que me sobra tempo para visitar os amigos...!
Assim, no meu portátil, cá estou eu a retribuir os gestos de carinho.
E a ler as tuas reportagens sempre tão bem concebidas!
Um beijo enorme meu Amigo e desejo-te uma excelente semana!
Estou a trabalhar na pesquisa para um documentário da Margarida Cardoso que reflecte sobre a história de Portugal e Angola desde os tempos da luta anti-fascista, dos movimentos de libertação até ao pós-Independência, através do retrato da geração de 60 que viveu intensamente este período. O filme pretende acima de tudo ser uma reflexão emocional e pessoal sobre um tempo de grandes e importantes mudanças Históricas.
Se tiver imagens de Angola dos anos 60/70 ou informações a partilhar connosco por favor faça-nos saber.
cumprimentos, marta rodrigues
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