domingo, 22 de novembro de 2009

Crónica: O meu momento na União dos Escritores Angolanos... Com cartão de membro e tudo

Quando em 1996 descobri minhas inclinações para a escrita e a comunicação social, não tendo conquistado simpatias na segunda porque possuía apenas uma camisola, duas calças e sapatos emprestados pelo António, passei a carregar uma certeza: ainda não sou a pessoa que nasci para ser, nem estou no lugar que nasci para estar.

Doze pessoas tomaram posse, ontem (21/11), como novos membros da União dos Escritores Angolanos, eu sou uma dessas pessoas. Não tive tempo ainda de plastificar o cartão de membro, também ainda vibro de satisfação pelo efeito encorajador que representa para mim (não fui credenciado a falar pelos outros) pertencer à nobre colectividade de escritores do país.

«O que para uma pessoa “normal” seria mentira, para um(a) escritor(a) é imaginação», disse certa escritora ocidental à revista “Granta” em resposta à pergunta «de onde vem a imaginação?»

Decidi, tinha eu 17 anos e meses, participar das gravações de programa infantil televisivo na cidade de Benguela, o que me custava três horas em ida e volta de Comboio (Caminhos de Ferro de Benguela), já que morava no bairro da Santa-Cruz, Lobito.

Lá, olhei a plateia, linda, obviamente os mais bonitinhos sentados na fila da frente, e havia figurantes que mais se pareciam comigo. O programa era gravado no recinto do Museu de Arqueologia, à Praia Morena. Uns cantavam, outros dançavam, alguns contavam anedotas, cada caprichando para merecer filmagem. Regressei à casa e escrevei um poema intitulado “O Nosso Comboio”, que teve os elogios dos apresentadores e lançou a “minha marca”. Nunca mais parei.

Tudo o que consegui ser e construir devo a duas instituições: uma, a Associação Juvenil para a Solidariedade (AJS), ONG que fundamos quando frequentávamos ainda o ensino médio de ciências sociais. A AJS é, como nós, uma força pequena com vontade de contribuir para o crescimento da consciência do exercício da cidadania através de exercícios permanentes de educação e comunicação. A outra instituição, que vem antes de tudo, chama-se Emiliana Chitumba Gociante, minha mãe. «Por muito que o galo cante, não pode é esquecer que veio do ovo» (provérbio bakongo).

Benguela passou por um longo período sem publicação de obra de jovem residente, jejum que foi quebrado, em 2008, com o lançamento do meu livro de estreia (poesia) “Consulado do Vazio”. Seguiu-se o livro de Martinho Bangula. E porque merecemos, somos quase sempre “convocados” para assistir a lançamentos. E num desses lançamentos, peguei no livro do confrade, que ardia de emoção pela realização do sonho, e vi que o outro era escritor mais ou menos… escritor, fica já assim… porque escritor é quem tem um livro, não é isso?! O que se passa é que a juventude tem pressa de publicar, e não custa juntar um textos (sem rigor nem observação editorial) e levar à gráfica mais próxima, e pronto!, uma foto do autor na capa…

Mas terei legitimidade para criticar? Em 2003, levei para meu estágio à Rádio Morena Comercial uma rubrica de enigmas, em que os ouvintes podiam telefonar e sugerir o final mais aconselhável. Aí surgiu a ideia (peregrina) de adaptar os enigmas e compor um (suposto) romance com 100 páginas e tal. Submeti logo a uma das maiores editoras privadas de Luanda. Alguns meses depois, ligo e o editor me responde com o devido profissionalismo: «epa!, eu aposto em obras que me garantam retorno, e aquela em princípio não», ao que ingenuamente pergunto: «mas, assim em jeito de conselho, onde é que falhei?» E outra vez profissionalmente, o editor me responde: «eu não sou pago para ensinar a escrever». Mas, então, a juventude vai aprender como, aonde, se não há escolas de capacitação de potenciais escritores?

Eu faço parte da geração de teimosos (autodidactas). Assim é que, cinco anos após fiasco da primeira tentativa de prosa, consegui convencer a mesa de leitura da União dos Escritores Angolanos, e será publicado brevemente um livro de contos meu.

Voltando à emoção da tomada de posse como novo membro da União dos escritores angolanos, devo dizer que mudou-se algo no meu eu profundo: finalmente, já sou quem nasci para ser, falta é estar no lugar que nasci para estar.

(…)
Aquela luz
para lá do mar
útero da mesma aragem
que outras velas vai apagar
ainda há-de ser minha
antes que caia do céu a manhã e o fim do cenário
ou façam-me tudo então
menos perdoar

Gociante Patissa
Luanda, 22 de Novembro 2009
(Foto 1-recebendo o cartão de membro das mãos do secretário-geral, Adriano Botelho; 2-mandando umas bocas; 3-Frederico Ningi e eu)
Share:

8 Deixe o seu comentário:

AGRIDOCE disse...

Há caminho para percorrer.

Quanto ao caminhante, já sabemos que está pronto e cheio de força para o percorrer.

Parabéns.

Amélia Ribeiro disse...

Meu Amigo Gociante Patissa!

Muitos Parabéns!

Estou tão orgulhosa de ti!
Fiquei emocionada..., porque finalmente alguém te reconhece o valor que te deviam há muito tempo!
E que lindo...Dona Emiliana Chitumba Gociante..., os meus parabéns pelo filho que tem!

Tenho um pedido a fazer-te..., sabes dizer-me se há cá em Portugal alguma livraria que tenha os teus livros à venda ( na cidade do Porto)?

Mais uma vez parabéns!

Um beijo enorme!

P.S. e podias publicar o poema "o nosso comboio"!

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Oi, amiga AC, na verdade acho que o livro não chegou a Portugal. Mesmo cá fez-se um número limitado de lançamentos, que não garante grande divulgação.Estou esperançado na força da divulgação do livro que sairá pela União dos Escritores. Mas se ainda usas, podes dar-me tua caixa postal por e-mail e mando-te por correio.
Abraços
PS: Tentei reconstituir o poema, mas já não me lembro da sua sequência. Recordo algumas palavras, mas lamentavelmente perdi o caderno.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Oi, Agridoce
Obrigado pelo encorajamento e pela luz.
Até ja!

Anónimo disse...

Parabéns amigoa!

É sem dúvidas uma conquita sua e ganho de todos os jovens escritores
de Benguela, e que qui sá de todos
os que estão "nas provincias".

Valeu!

Martinho Bangula

Anónimo disse...

nao quero repetir o que foi dito pelos demais. viva para sempre o caminho e longo.

asg

Cibernauta disse...

Parabens Patissa. O ser membro da UEA pode dar um "empurrao", pois o talento 'e NATO. Sucessos

Dulce Braga disse...

Parabéns Patissa!!!!
Tenho certeza que acabou de dar o primeiro passo em cima do trampolim que o arremessará ao sucesso!
Beijos
Dulce

A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

Publicações arquivadas