– DOUTOR…!? Nunca mais a vi…! – gritou, emocionado, Ratinho, correndo de braços abertos em direcção ao tórax do intelectual, duas vezes maior que o dele.
– Como vai, meu caro Ratinho? – reagiu, com a devida frieza da ciência, antes de ceder ao emotivo abraço.
Era capaz de dizer que tem uma força metafísica a palavra DOUTOR, tanta nobreza assim, que sempre se sentiu como que a flutuar quando pronunciasse o termo. E sem dar por conta, algumas (muitas) vezes, soltava-se a criança dentro dele para se alegrar com a doença… porque vinha sempre a recompensa de se encontrar com um “DOUTOR!”. Contrariamente, não foi o que sentiu desta vez; tinha um sabor diferente, para não dizer quase nenhum, abraçar um DOUTOR que estivesse em posição inferior por força das circunstâncias (a começar mesmo pelas ausências da gravata e da chave de Jeep).
Ratinho. Nada de bonito ou de nobre com esse nome (é isso que ele acha). Mas, nome, a gente não escolhe, não é isso?! Hoje, grande o suficiente que até já tem o hábito de fazer a barba na barbearia mais antiga da Catumbela, ainda carrega o nome que lhe fora atribuído pela senhora sua mãe (com o desleixo do pai, diga-se!)… ora essa, pá!, como se (o conceito Ratinho) tivesse algum efeito de agasalho diante da extrema magreza com que o rapaz nasceu (no frio de Julho de um ano distante).
Ratinho, desmobilizado do exército com 48 anos, julgava ter passado por todas as provações da vida, ao ponto de inconscientemente adoptar estranhos tiques. Um deles é, quando estiver a caminhar, olhar sempre atrás. Que se lixe lá o cansaço do pescoço, diria ele, o importante é que tu também podes ser caçado enquanto caças.
Concluída a oitava classe, já lá vão dois anos, Ratinho, que há ano e meio aguardava pela colocação na função pública, começaria finalmente a trabalhar. Tramado pela ironia da vida, seria outra vez na companhia de uma kalashnikov o novo ganha-pão. Quem me dera ser DOUTOR…!, desabafou certo dia durante os três meses de recruta policial na escola Kamutipatipa.
Ratinho é agora guarda prisional e teve a sorte de a farda, da cor da ferrugem, não ficar mal sobre o seu corpo esquelético. Mas difícil (mesmo!) para Ratinho foi dar de caras, no primeiro dia de trabalho, com o ex-explicador de psicologia, que há ano e meio não via.
– Por aqui, DOUTOR?!
– Sim, Ratinho, há já catorze meses. Tive um comportamento erróneo no trabalho. – disse-lhe o “DOUTOR”, antecipando as perguntas que Ratinho não tinha a coragem de exteriorizar.
– Ok, DOUTOR! – seguiu-se um suspiro – Coragem, DOUTOR!
Ratinho teve quase uma noite em claro. Sua mentalidade de finalista da oitava classe buscava uma explicação para o facto de um DOUTOR de psicologia (ciência que estuda o comportamento) ter “um comportamento erróneo no trabalho”. Muito é o que há por aprender, aprendia ele.
Gociante Patissa, Benguela Junho 2009
– Como vai, meu caro Ratinho? – reagiu, com a devida frieza da ciência, antes de ceder ao emotivo abraço.
Era capaz de dizer que tem uma força metafísica a palavra DOUTOR, tanta nobreza assim, que sempre se sentiu como que a flutuar quando pronunciasse o termo. E sem dar por conta, algumas (muitas) vezes, soltava-se a criança dentro dele para se alegrar com a doença… porque vinha sempre a recompensa de se encontrar com um “DOUTOR!”. Contrariamente, não foi o que sentiu desta vez; tinha um sabor diferente, para não dizer quase nenhum, abraçar um DOUTOR que estivesse em posição inferior por força das circunstâncias (a começar mesmo pelas ausências da gravata e da chave de Jeep).
Ratinho. Nada de bonito ou de nobre com esse nome (é isso que ele acha). Mas, nome, a gente não escolhe, não é isso?! Hoje, grande o suficiente que até já tem o hábito de fazer a barba na barbearia mais antiga da Catumbela, ainda carrega o nome que lhe fora atribuído pela senhora sua mãe (com o desleixo do pai, diga-se!)… ora essa, pá!, como se (o conceito Ratinho) tivesse algum efeito de agasalho diante da extrema magreza com que o rapaz nasceu (no frio de Julho de um ano distante).
Ratinho, desmobilizado do exército com 48 anos, julgava ter passado por todas as provações da vida, ao ponto de inconscientemente adoptar estranhos tiques. Um deles é, quando estiver a caminhar, olhar sempre atrás. Que se lixe lá o cansaço do pescoço, diria ele, o importante é que tu também podes ser caçado enquanto caças.
Concluída a oitava classe, já lá vão dois anos, Ratinho, que há ano e meio aguardava pela colocação na função pública, começaria finalmente a trabalhar. Tramado pela ironia da vida, seria outra vez na companhia de uma kalashnikov o novo ganha-pão. Quem me dera ser DOUTOR…!, desabafou certo dia durante os três meses de recruta policial na escola Kamutipatipa.
Ratinho é agora guarda prisional e teve a sorte de a farda, da cor da ferrugem, não ficar mal sobre o seu corpo esquelético. Mas difícil (mesmo!) para Ratinho foi dar de caras, no primeiro dia de trabalho, com o ex-explicador de psicologia, que há ano e meio não via.
– Por aqui, DOUTOR?!
– Sim, Ratinho, há já catorze meses. Tive um comportamento erróneo no trabalho. – disse-lhe o “DOUTOR”, antecipando as perguntas que Ratinho não tinha a coragem de exteriorizar.
– Ok, DOUTOR! – seguiu-se um suspiro – Coragem, DOUTOR!
Ratinho teve quase uma noite em claro. Sua mentalidade de finalista da oitava classe buscava uma explicação para o facto de um DOUTOR de psicologia (ciência que estuda o comportamento) ter “um comportamento erróneo no trabalho”. Muito é o que há por aprender, aprendia ele.
Gociante Patissa, Benguela Junho 2009
3 Deixe o seu comentário:
Está aí a prova
Nem sempre no momento da acção está presente a razão (que suporta a ciência).
Gostei deste caldo vivencial que se mistura entre a realidade e a ficção.
É mais uma preciosidade, diga-se!
Excelente, excelente :)
Queremos o prosador seguindo adiante, além do poeta :)
Adooooooooooorei!!!
Gostoso de ler, supreendente, com uma mensagem muito forte sem deixar de ser divertido.
beijo rouge
Dani
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