“Um dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”. Você também ficaria capturado/a pela força desta doce rebeldia, sendo (ou não) pai/mãe (de uma menina).
“Um dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”. De quem seria este pensamento? Também especulei quando li a frase, como você estará especulando agora. Mas achei-a no rótulo de pacotinho de açúcar (de fabrico português) para café. Esses peritos de marketing é que são “pecadores”, por conseguirem quase sempre brincar “tão bem” com as nossas emoções.
Estava no Lubango em gozo de férias, daí que me visse num instante remetido às saudades de casa ainda no terceiro dia. Apatetado por óbvio efeito da rebeldia de “herói desconhecido” (pai ou mãe) perante a fatalidade do horário laboral, chamei a (mais bonita) atendedora da pastelaria. E vinha à minha mesa. Algo larga sua blusa, próprio aliás de uniformes de bar, tinha uma dose de sensualidade sempre que transparecesse o forte vermelho do sutiã. Parecia mãe (seria? Ou era apenas aos meus olhos viciados pelo contexto?). Quantas vezes não terá ela sussurrado… “um dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”, lá fantasiava eu!
Já tive o cuidado de (em página própria no meu livro de estreia) agradecer aos meus sobrinhos, pelo prazer de me fazerem sentir criança – (ainda os sobrinhos) petizes das minhas saudades, para o desgosto de primos e tios cansados de tolerar o “insólito” solteiro na casa dos trinta anos; de tal modo que não surpreenderia se uma mão caridosa me regalasse com o “pau de Cabinda”, como se a questão fosse ter a chama biológica muito branda…
Ontem foi a vez da Ruth, oito anos, segunda filha do meu kota. Estávamos naquele bate-papo na sala da minha mãe, quando a menina entrou trazendo a irmã às costas. Era suposto estarem num dos dois casamentos das redondezas, facto suficiente para justificar a nossa surpresa ao vê-las tão cedo no local de dormir.
– Só viemos beber água.
– Lá está a cuiar?
– Está…
– Comeram o quê? – provoco, imaginando-me no lugar dela a disputar por um bolinho seco.
– Não comemos nada, já ‘tamos repletas, só ‘tamos à espera da noiva. – surpreendia-me a Ruth com agradável frieza, não imaginando como era “sagrado” nos nossos tempos comer no casamento – Jantamos canjica [caxupa] na tia Teresa...
A maioria dos puxões de orelha que levei foi no bairro da Santa-Cruz (desde 1987), uns na escola, outros por pular muros das igrejas adventista e evangélica. Até por baixo da mesa nos escondíamos, só para bisar as rodadas no copo d’água. Era bolinho seco, geralmente maçudo, servido no papel com sumo em garrafa da “Refriscentro”, defronte à Pediatria (Grémio do Sal).
Gasosa em lata era raridade quando chegamos ao Lobito em 1985. Ainda me lembro de um vizinho (bairro da Bela-Vista) funcionário da pastelaria “Áurea”, em cuja casa (de luxo, diga-se) usava-se também o enfeite da pirâmide de latas vazias (geralmente recolhidas dos “lixos” da cidade). Cheguei a testemunhar (enquanto filho de comissário comunal, hoje administrador) os abastecimentos mensais nas lojas do povo – a dos dirigentes era a “Organizações Wapossoka & Nambula” na Zona Comercial, mas apenas os privilegiados com acesso às “Lojas Francas” sabiam o gosto do frango e a miragem de criança com gasosa em lata.
Por isso não deixou de excitar a minha reminiscência distraída constatar que, duas décadas depois, as crianças são indiferentes aos bolos do casamento. Nos nossos tempos eram estes mais importantes que os noivos e/ou qualquer sermão. Um dia fujo do trabalho para contar isso à Ruth (ou aos primos dela – meus filhos – quando for oportuno surgirem).
Gociante Patissa, bairro da Santa-Cruz, Lobito, 6 Junho 2009
“Um dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”. De quem seria este pensamento? Também especulei quando li a frase, como você estará especulando agora. Mas achei-a no rótulo de pacotinho de açúcar (de fabrico português) para café. Esses peritos de marketing é que são “pecadores”, por conseguirem quase sempre brincar “tão bem” com as nossas emoções.
Estava no Lubango em gozo de férias, daí que me visse num instante remetido às saudades de casa ainda no terceiro dia. Apatetado por óbvio efeito da rebeldia de “herói desconhecido” (pai ou mãe) perante a fatalidade do horário laboral, chamei a (mais bonita) atendedora da pastelaria. E vinha à minha mesa. Algo larga sua blusa, próprio aliás de uniformes de bar, tinha uma dose de sensualidade sempre que transparecesse o forte vermelho do sutiã. Parecia mãe (seria? Ou era apenas aos meus olhos viciados pelo contexto?). Quantas vezes não terá ela sussurrado… “um dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”, lá fantasiava eu!
Já tive o cuidado de (em página própria no meu livro de estreia) agradecer aos meus sobrinhos, pelo prazer de me fazerem sentir criança – (ainda os sobrinhos) petizes das minhas saudades, para o desgosto de primos e tios cansados de tolerar o “insólito” solteiro na casa dos trinta anos; de tal modo que não surpreenderia se uma mão caridosa me regalasse com o “pau de Cabinda”, como se a questão fosse ter a chama biológica muito branda…
Ontem foi a vez da Ruth, oito anos, segunda filha do meu kota. Estávamos naquele bate-papo na sala da minha mãe, quando a menina entrou trazendo a irmã às costas. Era suposto estarem num dos dois casamentos das redondezas, facto suficiente para justificar a nossa surpresa ao vê-las tão cedo no local de dormir.
– Só viemos beber água.
– Lá está a cuiar?
– Está…
– Comeram o quê? – provoco, imaginando-me no lugar dela a disputar por um bolinho seco.
– Não comemos nada, já ‘tamos repletas, só ‘tamos à espera da noiva. – surpreendia-me a Ruth com agradável frieza, não imaginando como era “sagrado” nos nossos tempos comer no casamento – Jantamos canjica [caxupa] na tia Teresa...
A maioria dos puxões de orelha que levei foi no bairro da Santa-Cruz (desde 1987), uns na escola, outros por pular muros das igrejas adventista e evangélica. Até por baixo da mesa nos escondíamos, só para bisar as rodadas no copo d’água. Era bolinho seco, geralmente maçudo, servido no papel com sumo em garrafa da “Refriscentro”, defronte à Pediatria (Grémio do Sal).
Gasosa em lata era raridade quando chegamos ao Lobito em 1985. Ainda me lembro de um vizinho (bairro da Bela-Vista) funcionário da pastelaria “Áurea”, em cuja casa (de luxo, diga-se) usava-se também o enfeite da pirâmide de latas vazias (geralmente recolhidas dos “lixos” da cidade). Cheguei a testemunhar (enquanto filho de comissário comunal, hoje administrador) os abastecimentos mensais nas lojas do povo – a dos dirigentes era a “Organizações Wapossoka & Nambula” na Zona Comercial, mas apenas os privilegiados com acesso às “Lojas Francas” sabiam o gosto do frango e a miragem de criança com gasosa em lata.
Por isso não deixou de excitar a minha reminiscência distraída constatar que, duas décadas depois, as crianças são indiferentes aos bolos do casamento. Nos nossos tempos eram estes mais importantes que os noivos e/ou qualquer sermão. Um dia fujo do trabalho para contar isso à Ruth (ou aos primos dela – meus filhos – quando for oportuno surgirem).
Gociante Patissa, bairro da Santa-Cruz, Lobito, 6 Junho 2009
3 Deixe o seu comentário:
Essa crónica é para lá de boa. É muito boa! Em bom português diga-se óptima.
Um dia fujo de escritor para ser editor e publicar os teus lindos textos.
Fortes num alcance, ingénuos na maneira como propõem alternâncias nas, sempre preenches de cidadania, história que não aceite os "vícios" do bairrismo que in-festam o nosso "cronoloraio", desde Nuno de Menezes, GOIAS, M.Rui e outros.
Eu é que não me atrevo escrever crónicas...
Parabéns!
Martinho Bangula
(Poeta Sexorcista"
Oi amigo Martinho Bangula, (Poeta Sexorcista), fica mais um "monumento" pelo seu amparo (incluindo os elogios).
É irónico mas não difícil de imaginar que as pessoas se sintam no direito de nos fustigar con inconveniências, qdo aflitas por informação.
Abraços!
Passei.
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