Tinha começado a chover sem que desse por isso.
Estava por demais embalado nas cogitações peregrinas típicas de um jovem, o sonho por um big-bang que traga a namorada, o emprego ideal, o carro e a habitação num só semestre. Como se pode ver, é demasiada carga de expectativas para sobrar tempo algum para atender os restantes órgãos dos sentidos. A percussão das gotas da chuva que tocavam o tecto de zinco, de tão homogénea, aos meus ouvidos se confundia com uma bela sinfonia melancólica, que era o que mais apetecia.
Entretanto, uma gota intrusa tocou-me o ombro, num misto de arrepio e frio, frio também atípico nesta era de aquecimento global. Olhei à minha volta, desta vez com olhos de ver, e notei a presença do garçon que, talvez já acostumado a lidar com portadores de utopia, estava há muito parado à minha frente. Era evidente no seu olhar o dilema: hora de fechar o caixa e ao mesmo tempo não me querendo incomodar. Foi inevitável o instinto. Reparei o peito do conterrâneo, viciado que estou a fazer o mesmo com as moças por questões de pesquisa (só isso!). Na verdade, e o digo depois de observar em tudo quanto é bar e lanchonete, as atendedoras têm quase sempre uma característica comum: o peito achatado. Mães solteiras, adolescentes com etapas queimadas, atrás do prejuízo.
Devia ser demasiado educado o garçon, para se deixar empatar por um cliente que há tanto tempo nada consumia. Seria até legítimo da sua parte tratar-me mal, recorrendo à (quase cultural) atitude de supremacia dos atendedores.
“Mó mano, vão render já. O turno é outro”, alertou-me, reticente e fragmentado na linguagem.
“Sim, claro – respondi. – Distraí-me a ler esse jornal”.
Desculpei-me, acabrunhado, e saí andando. Eram já 18:00 horas. Restava-me acelerar o passo porque o Alexandre, meu sobrinho superdotado lá das bandas do Kioxe, pediu que lhe trouxesse na próxima visita, hoje portanto, línguas de gato. E como promessa feita é direito adquirido para a criança, cabia-me implementar esta lição dos idos anos de activismo pelos direitos da criança.
A chuva sucumbia à medida que a noite se instalava, tímida mas determinada. E só a aragem, coroada com o cheiro da terra molhada, conseguia levar-me a viajar nas memórias do kimbo, fugindo por alguns instantes da rotina ofegante da cidade… e reaprender a ouvir a chuva.
Gociante Patissa, Benguela, Novembro 2008
Estava por demais embalado nas cogitações peregrinas típicas de um jovem, o sonho por um big-bang que traga a namorada, o emprego ideal, o carro e a habitação num só semestre. Como se pode ver, é demasiada carga de expectativas para sobrar tempo algum para atender os restantes órgãos dos sentidos. A percussão das gotas da chuva que tocavam o tecto de zinco, de tão homogénea, aos meus ouvidos se confundia com uma bela sinfonia melancólica, que era o que mais apetecia.
Entretanto, uma gota intrusa tocou-me o ombro, num misto de arrepio e frio, frio também atípico nesta era de aquecimento global. Olhei à minha volta, desta vez com olhos de ver, e notei a presença do garçon que, talvez já acostumado a lidar com portadores de utopia, estava há muito parado à minha frente. Era evidente no seu olhar o dilema: hora de fechar o caixa e ao mesmo tempo não me querendo incomodar. Foi inevitável o instinto. Reparei o peito do conterrâneo, viciado que estou a fazer o mesmo com as moças por questões de pesquisa (só isso!). Na verdade, e o digo depois de observar em tudo quanto é bar e lanchonete, as atendedoras têm quase sempre uma característica comum: o peito achatado. Mães solteiras, adolescentes com etapas queimadas, atrás do prejuízo.
Devia ser demasiado educado o garçon, para se deixar empatar por um cliente que há tanto tempo nada consumia. Seria até legítimo da sua parte tratar-me mal, recorrendo à (quase cultural) atitude de supremacia dos atendedores.
“Mó mano, vão render já. O turno é outro”, alertou-me, reticente e fragmentado na linguagem.
“Sim, claro – respondi. – Distraí-me a ler esse jornal”.
Desculpei-me, acabrunhado, e saí andando. Eram já 18:00 horas. Restava-me acelerar o passo porque o Alexandre, meu sobrinho superdotado lá das bandas do Kioxe, pediu que lhe trouxesse na próxima visita, hoje portanto, línguas de gato. E como promessa feita é direito adquirido para a criança, cabia-me implementar esta lição dos idos anos de activismo pelos direitos da criança.
A chuva sucumbia à medida que a noite se instalava, tímida mas determinada. E só a aragem, coroada com o cheiro da terra molhada, conseguia levar-me a viajar nas memórias do kimbo, fugindo por alguns instantes da rotina ofegante da cidade… e reaprender a ouvir a chuva.
Gociante Patissa, Benguela, Novembro 2008
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