sábado, 19 de agosto de 2006
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Zangam-se as comadres, conhecem-se as verdades!”
Conta-se que a Dona Kandimba e a Dona Lagartixa eram boas comadres. O tempo foi passando e os hábitos tomaram corpo: trançavam-se o cabelo uma da outra, fofocas bem actualizadas, desabafavam os fracassos dos maridos (nas finanças e na cama), baptizavam os filhos, etc., etc. Tudo corria a mil maravilhas, até o tempo provar que é o senhor da razão.Certo dia, vinha a D. Kandimba de uma aldeia vizinha, completamente histérica: pulava p’ra lá, pulava p’ra cá, cabelinho arranjado, uma calça da Nigéria, um óculos por causa da conjuntivite. Mas doesse como doesse, ela vinha alegre. Trazia numa mão a felicidade e na outra a carne de vaca para partilhar com a família. A carne lhe fora oferecida na festa. Mal se aproxima da aldeia vê uma goiabeira frutos bem amarelinhos, e o aroma então, esse era completamente tentador! Para uma D. Kandimba, toda emancipada, trepar uma goiabeira não é apenas para homens, e resolveu trepar para saborear as goiabas, deixando a carne ao pé da árvore, sobre uma pedra.Ainda não tinha comido um único fruto, quando ouviu gritos lá debaixo da árvore:- Achado não é roubar! É minha sortiiiéééé!!!!!- Espera aí, comadre, deve haver uma confusão. A carne é minha, deram-ma na festa…- Nunca, comadre Kandimba! – interrompeu a lagartixa – Isso é que a carne não é!!! Nem penses!- … Mas é verdade, sim. Só parei para comer algumas goiabas e então deixei-a ao pé da árvore. Deixe-me dividir um pouco consigo, cara comadre…- Não senhora! Não posso dividir o que achei. Assim perco a minha sorte. Ou levamos o caso ao rei ou já não sei… hum! Isso é azar!!!Partiram ambas para a residência do Rei, cada uma convencida de que tinha a razão. Chegadas lá, a Dona Kandimba ainda tentou argumentar, mas a Comadre lagartixa não parava de falar: era lógica atrás de lógica, até que: “ó Rei – disse a lagartixa – se a carne fosse da comadre, não teria trepado com ela?Engasgado, o Rei não teve outra saída senão atribuir a carne á Dona Lagartixa. Esta partiu em alta velocidade para a casa, tanto assim que ao dar a refeição aos filhos deixou a cauda de fora. A D. Kandimba que vinha cabisbaixa, derrotada quase a chorar, ao ver a cauda agarra-a e grita:- Zás! Achado não é roubado! Achei uma cauda de lagartixa, é minha sorte!- Pára, pára, pára aí, ó comadre Kandimba! – dizia a Lagartixa a pedalar – Não está a reconhecer a minha cauda? Isso já é abuso, não te parece?- Não... eu achei a cauda, comadre Lagartixa…- Mas como é que vai achar uma coisa que está presa no meu corpo? A comadre só pode estar a querer apanhar-me a pata! Vamos só para a Residência do Rei.De novo lá e ouvidas as duas versões, o Rei já não teve problemas em decidir, e disse: “Se entrou para a toca, D. Lagartixa, e deixou a cauda de fora é porque não é Sua. Não foi o mesmo com a carne da outra? A Lagartixa ainda tentou, a esmo, dizer algo afim de inverter o curso dos acontecimentos mas: “D. Kandimba, eis o machado e corte a cauda à sua Comadre. Não se divide algo achado, senão perdes a sorte.Se o Rei bem o ordenou Kandimba melhor o fez. Cortou a cauda e como não precisava dela jogou ao chão, aí mesmo na residência do Rei. A Lagartixa, recolheu-a e saiu desesperada a procura de um bom cirurgião plástico para lhe repor a cauda. A ideia foi boa, mas a técnica naquela altura não estava tão desenvolvida. Por isso é que sempre que se dá uma pancada à cauda da lagartixa, ela cai (e por vezes nos assustamos).Moral da estória: quando nos apoderamos de algo alheio, por vezes acabamos por perder algo maior. O que é nosso em nossas mãos vem parar.Adaptação: Gociante Patissa, 2003(Contos da minha terra, originais em língua Umbundu)Gociante Patissa, segunda-feira, 19 de Janeiro de 2004, 17:11:18
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