A sua aparição como músico e o magnetismo com que a poesia das suas canções na língua Umbundu
arrastou multidões no município do Bocoio, interior da província de Benguela, a partir de 2012, desafiava o dito “santos da casa não fazem milagres”. É que com os parcos meios que os estúdios amadores permitiam e à margem da comunicação social ou das redes sociais, despontava a promessa na música de carácter matricial africano, o jovem Kupeletela.“Comecei na igreja, mas aos poucos foi crescendo o interesse de participar em rituais festivos (ovikuya) arraigados na tradição, assistindo a tudo quanto era sessão de julgamento costumeiro e cerimónias ricas em tradição oral. Sentia que era ali o meu lugar”, conta.
O pico da sua popularidade acontece durante o mandato da administradora Deolinda Valiangula, que se identifica com a riqueza das composições no ritmo sungura e afro-house, o carisma da voz melancólica e, principalmente, rendida ao contributo sociocultural do griot, cabeça de cartaz em eventos oficiais e não só. De outra forma era impensável. No entanto, em 2019 muda-se para Luanda à procura sol e deixa sensação de doce-amargo na sua base de apoio. Em conversa mantida ao telefone, colhemos na língua Umbundu alguns elementos biográficos aqui partilhados, ainda que com o risco de perder-se alguma poesia na tradução.
Kupeletela (perder) é um nome adoptado de uma parábola que na sua língua materna ilustra a dialéctica da vida: Se vou dormir, perco o convívio; se fico no convívio, perco o sono.
Nascido em 1986 no município da Ganda, interior de Benguela, Kupeletela, nessa época ainda Lucas Armando Cândido, de nome oficial e primo do autor destas linhas, tem a infância ligada à fé cristã pela IESA (Igreja Evangélica do Sudoeste – hoje Sinodal – de Angola), sob as asas de sua mãe Isabel Frederico, que viria a falecer ainda antes de o menino festejar o seu sétimo aniversário. Com isso, Lucas passa para o colo da avó materna que se encontrava no município do Cubal, de nome Kwenhe, preenchendo inclusive o vácuo de não ter chegado a conhecer o pai. Ali, ingressa no coral infanto-juvenil da IESA e dá os primeiros passos na guitarra.
Em 2005, já a residir no Bocoio, terra do povo vacisanji, assume o assalto ao palco. “Eu cantava já, mas sem música nenhuma gravada, era difícil. Só me conheciam como pedreiro. Em 2008 comecei a gravar e tive a sorte de as músicas conquistarem o coração do nosso povo. Eu canto o provérbio, a curiosidade, o conselho e o que incomoda de ver, como o sofrimento.”
Dos seus maiores sucessos, ouve-se: "nakalungu/ nakacekele/ cukwavo olya/caye osoleka (...) cananga mo ceci/olongombe vipokola komunu/omunu ka pokola kwisya yaye/ la ina yaye" (O espertalhão é dinâmico, guarda o que é seu para comer o que é do outro (...) o que me deixa perplexo é que o boi obedece ao ser humano, o ser humano desobedece ao pai nem à mãe"
Kupeletela continua a produzir e a fazer pequenas actuações pela periferia de Luanda, como de resto sobrevive uma grande parte de artistas do segmento essencial, enteado do showbiz.
“Até hoje, as minhas músicas surgem geralmente do sonho que me invade. Sonho que estou no ovikuya (rituais festivos do povo Ovimbundu), a cantar ao lado do vocalista, os mais-velhos contentes. Depois ensaio a melodia e procuro estúdio que me puder apoiar”, conclui.
Texto e foto: Gociante Patissa | L. 12 Agosto 2024 | www.angodebates.blogspot.com
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