Acabei de ler o livro "Kwashala Blues" (Ethale Publishing, 2023), crónicas do nosso mano moçambicano
Jessemusse Cacinda, autor e editor que conheci em Outubro passado quando participava no festival de artes organizado pelo Museu de Lamego. Quanto a concluir a leitura da sua obra de 96 páginas, podia, em boa verdade, tê-lo feito de uma só assentada, mas logo nas primeiras propostas da obra percebi que tinha de optar por um ritmo um tanto tântrico, de modo a melhor degustar o passeio pela sociocultura de Moçambique, trilhar a sua geografia pela caneta da voz do narrador, uma realidade que, de resto e por força das circunstâncias históricas, muito se assemelha à da nossa querida Angola. O humor, a sátira e outros recursos estilísticos, sem mencionar uma série de reviravoltas que acompanham algumas das tramas, condimentam o prazer da leitura, onde realidade e ficção se entrelaçam na perspectiva do leitor. Tendo como pretexto a ocorrência da morte do pai, dá-se a viagem de regresso à terra natal, o que abre espaço ao revisitar de memórias de feridas mal sicatrizadas no núcleo familiar mais restrito, mas também no tecido social, onde a tradição, a política, a filosofia e a história fazem o pano de fundo. O encadeamento temático das onze crónicas da obra confere à mesma uma proximidade da novela, no caso novela com entrecortes e difusão de núcleos. De entre as várias coisas pujantes sob o ponto de vista da dimensão estética da obra, sublinho a abertura da crónica O Bilhete de Carlos Sapato: "No dia da sua morte, Carlos Sapato teve direito a uma manhã de sexo" (pág. 21). Quem não gostaria, não é? Outro traço de fina ironia a destacar mora na crónica Made in Namicopo: "O meu pai veio a seguir: imóvel, com o corpo pendurado numa simples barbicha e o com ar de dono de si mesmo" (pág. 41). O resto não conto, cada qual com a sua leitura e os seus prazeres. E pronto, com a vossa licença, retiro-me a ver se passo a experimentar pela primeira vez a sensação auditiva do Kwashala, género musical (não conhecia, confesso). Se for tão agradável como se nos deu a ler e dançar ao ritmo da escrita, ainda melhor.