Como um breve conjunto de contos que pretende ser um
ponto de partida para um projecto mais vasto se poderia definir esta antologia.
É, aliás, assim que António Quino, o organizador, a apresenta na sua Introdução, prosseguindo em Conversas de Homens no Conto
Angolano com
uma reflexão sobre o que define o conto enquanto género literário e a linha que
une os contos desta antologia, numa exposição clara e, contudo, algo poética,
que promete muito de bom para os contos que se seguirão.
E o primeiro conto é O Caminho do Meu Pai, de Timóteo Ulika. História de um
homem em fuga e da sua importância numa família que regressa ao quotidiano,
este conto breve e relativamente simples marca pela reflexão sobre como, após
cada perda, a rotina acaba sempre voltar. Rotina essa que se interliga com o
percurso de aprendizagem do narrador a partir daquilo que observa. Do mesmo
autor, segue-se A Morte de Satito, história de uma execução. Neste
conto, impressiona particularmente a descrição da crueldade, feita com uma
simplicidade que lhe potencia o impacto. Mais uma vez, a forma simples e
directa de apresentar as coisas acaba por as tornar mais reais.
De Eduardo Bettencourt Pinto surge o conto Balada ao Pai. Tendo como ponto de partida o
homem que percorre as memórias do pai doente, este conto, também breve e
simples, surge com o ritmo irregular das memórias, numa reflexão sobre a
efemeridade da vida.
A Derrota Repetida em Ombandia, de E. Bonavena, apresenta um homem
que sonha com as mulheres amadas. Descritivo, com um toque de surreal na forma
como os desejos se entrelaçam com a realidade, é, no essencial, um conto
introspectivo, com algo de ambiguidade, mas cativante e com uma escrita quase
poética.
Em Casa de Orates, José Luís Mendonça fala de uma casa feita de nada e da mulher que nela reina. Curioso pelas particularidades das figuras que apresenta e marcante pela simplicidade com que o faz, um conto curto e simples, mas surpreendente.
Histórias e Memórias Desancoradas, de António Fonseca, trata das
memórias de um grupo e dos sonhos que o tempo levou. Introspectivo, em tom de
nostalgia, esta história é feita, em grande parte, dos pequenos fragmentos que
definem a memória, funcionando como uma reflexão sobre a imprevisibilidade do
futuro.
Por sua vez, Sandumingu, de Frederico Ningi, fala de um nome e do homem que o usa. Ritmo e estrutura peculiares fazem com que o enredo seja difícil de seguir, ficando a impressão de não haver propriamente uma linha narrativa, mas antes o que parece ser uma sucessão de fragmentos. O resultado é uma vaga impressão de estranheza.
Por sua vez, Sandumingu, de Frederico Ningi, fala de um nome e do homem que o usa. Ritmo e estrutura peculiares fazem com que o enredo seja difícil de seguir, ficando a impressão de não haver propriamente uma linha narrativa, mas antes o que parece ser uma sucessão de fragmentos. O resultado é uma vaga impressão de estranheza.
Seguem-se dois contos de João Tala. Josefa Confissão fala de uma mulher e das vozes
dentro de si. Com um início algo confuso, mas envolvente a nível de escrita,
tem como ponto forte a ideia interessante em que algo de estranheza e um toque
de surreal servem de base para o que culmina num final particularmente bem
conseguido. Ua Sasuama, por sua vez, apresenta a história de um homem
manipulado pelas intrigas de uma mulher. Envolvente, tendo como base uma
situação curiosa que é desenvolvida de forma intrigante, tem os seus momentos
caricatos, mas é, na globalidade, um conto interessante.
Também Zetho Cunha Conçalves tem dois contos nesta
antologia. O primeiro é O Inferno e a Morte na Palma da Mão, história de um sobrevivente da
guerra. Breve, directo e preciso, trata-se de um curto mas impressionante
retrato da vida em tempos desolados.Samira Rosa e a Crítica Física trata
de um tema bastante diferente: da vida íntima de um casal e de uma forma
peculiar de dizer não. Curioso, tendo como base uma situação algo caricata,
começa por ser um pouco confuso, mas cresce em envolvência para culminar num
final bastante... esclarecedor.
Conversas de corpos e almas entre um homem e uma
mulher são o que define O Corpo no Cabide, de José Eduardo Agualusa. Ambíguo,
introspectivo, mas cativante, quer a nível das reflexões, que da história que
nelas se entretece, trata-se, em suma, de uma história interessante e muito bem
escrita.
Segue-se A Nova Sociedade, de Carmo Neto. Aqui, a história é
a da ascensão e queda de um homem político, numa narrativa cativante e
interessante, principalmente enquanto reflexão sobre a diferença entre
promessas e realidades e a curta distância que separa o sucesso do infortúnio.
Do mesmo autor, Mana Carocha Malmequer trata de uma mulher que espera
o amado. Breve, deixa a impressão de que tudo acontece demasiado depressa. A
ideia é interessante, ainda assim.
Catrapus, de Roderick Nehone apresenta um caso peculiar de
empreendedorismo. Algo caricato, mas cativante quer pela ideia quer pela forma
como esta é desenvolvida. Também aqui o final é... peculiar. Também do mesmo
autor, mas num registo bem mais sério, Aquelas Botas Novas surge como a história de
alguém que espera pelas botas de um homem morto. Breve, mas intenso, este conto
marca pela forma directa de descrever a situação, conferindo-lhe um maior
impacto, num caso que culmina com um perfeito rasgo de justiça poética.
Seguem-se outros dois contos, desta vez de Albino
Carlos. A Violação é, como o título indica, a história de uma
mulher violada enquanto, em redor, o mundo dorme. Aqui, descrições precisas de
uma situação perturbadora criam um poderoso contraste entre a violência do acto
e o silêncio do mundo em volta. Por sua vez, O Dia em que Nós Exterminámos os
Bruxos relata
a longa marcha e o último dia de um grupo de prisioneiros. Mais extenso, com um
ritmo pausado e bastante descrição, este conto apresenta a descrição, com todos
os pormenores, do lento caminho para a morte. Caminho que culmina num final
marcante.
Em O Velho e a Lareira Tardia, de Ondjaki, um homem à beira da
morte contempla o fogo. Num estilo de escrita muito próprio, a história aqui
construída é simples, mas quase terna e com muito de introspecção e nostalgia.
Também de Ondjaki, Dentro: Esse Lugar... é um texto ainda mais breve, quase
que apenas divagação sobre uma viagem interior. Poético e introspectivo, um
texto curto, mas de grande beleza.
Por último, dois contos de Gociante Patissa. Um Natal com a Avó apresenta uma mulher do campo
em visita à cidade, realçando as diferenças entre meios, gerações e
mentalidades, num conto algo caricato, mas interessante. Por sua vez, A
Última Ouvinte conta a história de um locutor que se apaixonou por uma
ouvinte do seu programa. Cativante história de ilusões e realidades, do
contraste entre a voz e o corpo que a comanda e de uma busca que é tanto por
alguém como pelo próprio ser, um conto envolvente e com um final comovente.
Percorridos diferentes temas, registos e estilos de
escrita, a impressão que fica da leitura desta antologia é a de uma obra que
marca, em primeiro lugar, pela diversidade apresentada. Alguns contos são mais
marcantes que outros. De algumas histórias fica a curiosidade em saber mais.
Apesar de tudo isto, o ponto mais forte desta antologia é a possibilidade de
ver, nos vários contos que a constituem, uma pequena parte do muito que há a
descobrir na literatura angolana. E mesmo que fosse só por isso, já valeria a
pena ler.
Carla Ribeiro - carianmoonlight@gmail.com
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