Havia em Cayave, interior do município do Caimbambo, três homens que andavam revoltados pela vida que levavam. Andavam cansados de fazer todos os dias a mesma coisa, numa área bucólica sem figuras nem eventos. Era todos os dias ver o sol nascer e morrer no mesmo sítio. Dormiam cedo, para cedo ir à lavra, excepto aos domingos.
– Que vida chata a nossa, ó Sikaleta! – reclamava Sipitali.
– Que tem a nossa vida, ó Sipitali? – refilava Sikaleta, o menos exigente dos três. – É a vida que os nossos pais sempre levaram. Querias o quê? Cruzar com o Rei? – ironizou.
– Ya! Cruzar com o Rei…! Bem que seria uma dica fixe! – respondeu Sembele com a mania de voar nos seus pensamentos. – É que isso cansa! Será que vamos chegar a velhos, assim como hoje, sem valor nenhum? Temos que fazer algo! – continuou.
– Deixa-te de fantasias, ó meu! – minimizou Sikaleta, armando-se em mais velho do grupo.
A discussão prolongou-se tarde adentro. Decidiram montar uma parada ao longo do caminho, por onde passavam, de vez em quando, ou seja, muito raramente, gente importante. «Assim – pensavam eles – quem sabe ainda alguém nos aperta a mão».
Para realizar o sonho, os inconformados optaram pelo sacrifício de ir à lavra às noites. É que assim teriam muito mais tempo de vigia na sua parada – figuras importantes têm a mania das viagens espontâneas, e eles não queriam estar desprevenidos.
Ia já a vigia no terceiro mês. E calha que, ao passar disfarçado por eles, o rei da Babaera sentiu-se mal. E como desconfiavam de todos e perguntavam sobre tudo e mais alguma coisa, facilmente reconheceram o soberano. Ofereceram-se então a transportar os haveres do Rei até onde ele quisesse, nem que isso os levasse ao fim do mundo. Caminharam sem parar durante duas semanas. Chegados ao palácio do Rei, foram tratados com as mordomias todas. Comida ou bebida, era fixar o olhar à bandeja, que a donzelas vinham elegantemente servir.
No dia de regresso, o Rei chamou os três para despedida. E perguntou o que cada um queria de presente, tendo que escolher: levar o dinheiro ou o livro.
– Bem, meu ilustre Rei – disse Sembele –, eu pensei, pensei e conclui em consenso próprio que, com o dinheiro que me der, posso comprar muitos livros pelo caminho.
E o Rei estendeu-lhe o envelope com trinta notas de mil.
– E tu? – dirigiu-se o Rei ao Sikaleta. – Dinheiro ou livro?
– Bem, Rei meu, prefiro o livro. – disse Sikaleta. – Assim terei como ocupar os momentos livres e aprender sempre mais um pouco.
– Quanto a mim, meu Rei, nem dinheiro, nem livro. – surpreendeu Sipitali. – Eu quero o teu diskman e um disco MP3 de Speed, digo, Ku-duro.
Uma vez satisfeita a vontade de cada um, partiram de volta à casa. Vaidoso, Sembele foi comprando tudo que lhe aparecesse em frente. Sempre atento, Sikaleta seguia os conselhos do livro, que dizia: «dinheiro não fermenta, tirar não é pôr». Leu também que não passaria fome, já que o seu amigo não conseguiria comer sozinho, vendo os demais com a boca seca. Por seu lado, Sipitali excitava-se ao sabor do ku-duro no seu MP3. E outra vez, consultando o livro, Sikaleta leu: «uma só música não alimenta nem faz crescer». Leu também que «nada move sem pressão», percebendo que assim que as pilhas perdessem força, não haveria mais música no mato.
Chegados à Cayave, sua banda, abraçaram-se entre o cansaço e a alegria. Nisto, o livro escorregou das mãos de Sikaleta e dele caiu um envelope, com noventa notas de mil, e um comentário do Rei: «Aquele que escolher o livro terá levado o conhecimento, o dinheiro e a música num só artigo».
Adaptação: Gociante Patissa, para o programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena, Setembro de 2008
– Que vida chata a nossa, ó Sikaleta! – reclamava Sipitali.
– Que tem a nossa vida, ó Sipitali? – refilava Sikaleta, o menos exigente dos três. – É a vida que os nossos pais sempre levaram. Querias o quê? Cruzar com o Rei? – ironizou.
– Ya! Cruzar com o Rei…! Bem que seria uma dica fixe! – respondeu Sembele com a mania de voar nos seus pensamentos. – É que isso cansa! Será que vamos chegar a velhos, assim como hoje, sem valor nenhum? Temos que fazer algo! – continuou.
– Deixa-te de fantasias, ó meu! – minimizou Sikaleta, armando-se em mais velho do grupo.
A discussão prolongou-se tarde adentro. Decidiram montar uma parada ao longo do caminho, por onde passavam, de vez em quando, ou seja, muito raramente, gente importante. «Assim – pensavam eles – quem sabe ainda alguém nos aperta a mão».
Para realizar o sonho, os inconformados optaram pelo sacrifício de ir à lavra às noites. É que assim teriam muito mais tempo de vigia na sua parada – figuras importantes têm a mania das viagens espontâneas, e eles não queriam estar desprevenidos.
Ia já a vigia no terceiro mês. E calha que, ao passar disfarçado por eles, o rei da Babaera sentiu-se mal. E como desconfiavam de todos e perguntavam sobre tudo e mais alguma coisa, facilmente reconheceram o soberano. Ofereceram-se então a transportar os haveres do Rei até onde ele quisesse, nem que isso os levasse ao fim do mundo. Caminharam sem parar durante duas semanas. Chegados ao palácio do Rei, foram tratados com as mordomias todas. Comida ou bebida, era fixar o olhar à bandeja, que a donzelas vinham elegantemente servir.
No dia de regresso, o Rei chamou os três para despedida. E perguntou o que cada um queria de presente, tendo que escolher: levar o dinheiro ou o livro.
– Bem, meu ilustre Rei – disse Sembele –, eu pensei, pensei e conclui em consenso próprio que, com o dinheiro que me der, posso comprar muitos livros pelo caminho.
E o Rei estendeu-lhe o envelope com trinta notas de mil.
– E tu? – dirigiu-se o Rei ao Sikaleta. – Dinheiro ou livro?
– Bem, Rei meu, prefiro o livro. – disse Sikaleta. – Assim terei como ocupar os momentos livres e aprender sempre mais um pouco.
– Quanto a mim, meu Rei, nem dinheiro, nem livro. – surpreendeu Sipitali. – Eu quero o teu diskman e um disco MP3 de Speed, digo, Ku-duro.
Uma vez satisfeita a vontade de cada um, partiram de volta à casa. Vaidoso, Sembele foi comprando tudo que lhe aparecesse em frente. Sempre atento, Sikaleta seguia os conselhos do livro, que dizia: «dinheiro não fermenta, tirar não é pôr». Leu também que não passaria fome, já que o seu amigo não conseguiria comer sozinho, vendo os demais com a boca seca. Por seu lado, Sipitali excitava-se ao sabor do ku-duro no seu MP3. E outra vez, consultando o livro, Sikaleta leu: «uma só música não alimenta nem faz crescer». Leu também que «nada move sem pressão», percebendo que assim que as pilhas perdessem força, não haveria mais música no mato.
Chegados à Cayave, sua banda, abraçaram-se entre o cansaço e a alegria. Nisto, o livro escorregou das mãos de Sikaleta e dele caiu um envelope, com noventa notas de mil, e um comentário do Rei: «Aquele que escolher o livro terá levado o conhecimento, o dinheiro e a música num só artigo».
Adaptação: Gociante Patissa, para o programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena, Setembro de 2008
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário