Há pouco menos de uma década, “o género” não fazia parte dos debates. A mulher era o foco de políticas ou programas virados à diminuição das desigualdades entre os sexos. Hoje, o paradigma mudou. Termos como “Saúde da mulher” foram substituídos por “saúde familiar”. As quotas para o acesso da mulher na política, no mundo académico e no comércio privado vêm sendo substituídas por políticas regulares de género.
Porquê pular de “mulheres” para “género”? Talvez estejamos a aprender que a desigualdade no género não é apenas um assunto feminino. Apercebemo-nos de que não se pode excluir os homens das oportunidades de micro-crédito sem causar ressentimentos, às vezes até violência, no lar. Os programas de saúde reprodutiva têm menos impacto se apenas metade da população é abrangida, e as mulheres – e não os casais – se encarregarem de tomar de forma isolada as decisões de planeamento familiar. Aumentar o número de mulheres no parlamento pelo critério de percentagens preestabelecidas, sem que haja uma mudança real de atitude, poderia aumentar a sua presença política, mas não o poder político.
Ademais, estamos a perceber que os estereótipos no género não são só prejudiciais para as mulheres, mas também aos homens. A noção de “trabalho feminino” restringe os homens de certas profissões. A pressão de ser o motor do “ganha-pão” limita nos homens a oportunidade de gastar mais tempo com os seus filhos. E a atitude de que “um homem nunca chora” força o homem a esconder as suas emoções, o que é um risco à saúde.
Finalmente, a sociedade no geral sofre os efeitos das desigualdades no género. As crianças têm mais saúde quando as mães têm educação formal. As sociedades são mais produtivas quando 50 por cento dos seus recursos humanos dão o máximo do seu potencial.
Com vista à trabalhar em prol de um mundo em que o homens e as mulheres têm oportunidades iguais, devemos identificar os estereótipos, entender como eles afectam as nossas vidas e reflectir sobre as suas origens. O que é desigualdade no género, como afecta as nossas vidas e sociedades, e como podemos minimizá-los?
Estava eu diante de um grupo de 15 mulheres angolanas e pensei: “o que é que estou aqui a fazer?”. Tinha entrado em Angola havia poucas semanas, o meu português era “péssimo”, e sabia muito pouco sobre a cultura. Ainda assim, encontrava-me a dar um workshop a mulheres rurais sobre “os estereótipos no género”.
Será que se importariam com o que eu iria dizer? Sairiam com o poder reforçado ou mais confusas? Para provocar a discussão, mostrei desenhos de um homem lavando a loiça e dando de comer um bebé e uma mulher reparando um carro e dando comícios políticos. Elas deram gargalhadas e disseram que era impossível – que o desenho não correspondia com a realidade. E quando perguntei porquê, houve silêncio na sala. “Quem decidiu que o homem devia fazer isso, e a mulher aquilo?”, perguntei, e de novo, silêncio. Na verdade, ninguém conhece a origem dos estereótipos. Serão biológicos e depois perpetuados pela cultura? Se for assim, até que ponto?
Os estereótipos no género limitam directamente as nossas oportunidades devido à discriminação. Porém, mais importante ainda, limitam as nossas ambições, autoconfiança e habilidade de sonhar um pouco mais sobre o futuro de cada um. Como podemos mudar os preconceitos sobre a relação entre o homem e a mulher se são biológicas, ou tão imbuídos na nossa cultura e perpetuamos por todos nós. Mas será que podem também às vezes ser positivos?
Muitas vezes questiono o meu papel na promoção da igualdade no género. Numa conferência juvenil sobre os estereótipos no Paraguai rural, um jovem rapaz me disse: “o teu sistema aqui não funcionaria. Os homens e as mulheres precisam ter diferentes responsabilidades para que a vida doméstica ande mais amenamente”. Será que os movimentos pró igualdade no género deviam ser mais endógenos (desenvolvidos dentro da cultura)? Caso não, como podem os agentes externos gerar mudança? Até que ponto a cultural pode justificar as desigualdades no género?
........................(*) Traducão do artigo “Make your voice heard” (de Elizabeth Coombs, EUA, elicoombs@yahoo.com) , publicado no site da ONU para os assuntos sociais. Títulos, Boletim "A Voz do Olho", Projecto informativo, educativo e cultural da AJS e amigos; Foto: (menina do biópio batendo funji) por Gociante Patissa
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Oh Patissa,
Há vinte anos já se falava de género, mas géneros alimentares (risos). Sobre género como diferenciação do sexo (masculino e feminino), nunca. Nem pensar. E sabes que "descobri"?
_ Nunca Angola colónia foi governada por uma mulher e pelo andar das coisas nem sei se será para já.
A menos que a Hillary vença nos EUA e a sua influência se estenda por cá... Vivemos num país de cábulas....
Um abraço.
Vim para "saborear"os teus escritos.
S.C.
Cara Patissa,
Achei interessante este artigo da Elizabeth. Ela levanta questões que nos eleva a reflexão.
A questão cultural é uma das questões que marcará cada vez mais a diferença no gênero. Nas comunidades rurais, o aspecto cultural é ainda muito forte mesmo nos arredores urbanos.
No entanto, com a maior abertura na educação e o constante debate do gênero, acredito que saberemos demarcar as diferenças e coabitaremos em harmonia, homens e mulheres de braços dados.
Um abraço
Nguimba Ngola
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