domingo, 16 de dezembro de 2007

A difícil arte de criticar

Tínhamos acabado de descer do autocarro da companhia de aviação, meia hora após o desembarque de regresso a casa, ávidos de gozar do merecido descanso, ontem, 15/12. A agitação característica das capitais é sempre um agente de fadiga para “provincianos” como nós. Mas, infelizmente, algo não corria bem na feira de ONG’s em prol da “Educação para todos até 2015”, com base na cimeira de Dakar, na qual vários estados do mundo (Angola inclusive), assumiram o compromisso de garantir o acesso à educação e melhorar a qualidade da sua oferta até 2015.

Na praça 1º de Maio então, na cidade de Benguela, encostamos a nossa "tralha" na sombra da tenda e pusemos a mão na massa. O sol, esquecido de que estávamos num sábado apenas e que domingo era dia seguinte, não abrandava. O resultado não podia ser mais frio: quase ninguém, refiro-me ao público, o enfrentava para dar uma espreitadela no que estava exposto. Entre as estratégias, “devoramos” o microfone com uma espécie de animação de rádio em directo, com entrevistas aos presentes e anúncios de curiosidades. As nossas vozes, que de certo modo são conhecidas em função do programa de debate que produzimos há um ano, representavam um dos atractivos.

Já no cair da tarde, fomos abordados por um “jornalista” da Delegação Regional da Televisão Pública da Angola (TPA), sem saudar nem nada, molestando-nos, ao meu produtor e a mim, face ao erro notado num dos dísticos: “Rede das ONG’s da Sociedade Civil?”, questionava com razão aquele cidadão. “Há por acaso ONG do Governo?”. A resposta imediata foi que não (embora a realidade em Angola demonstre que sim). Tratava-se mesmo de um erro involuntário. E acrescentamos que era um “pleonasmo feio”. E o "perfeito" megalómano apresentador de TV aproveitou as palavras para reforçar a sua correcção: “Um pleonasmo muito feio, até...!”, disse. Na verdade, tratava-se de um erro do qual nos apercebemos ao chegar ao local. Só que, ao megalómano jornalistazinho faltou o faro da busca da certeza e perguntar, no mínimo, quem havia produzido o referido dístico – porque o meu produtor e eu não podia ter sido. Basta para isso lembrar que andávamos em Luanda e, obviamente, que não temos o dom de estar em dois lugares ao mesmo tempo, não fisicamente, digo.

Acto contínuo, o companheiro do “Jornalista” vem também ter connosco, desta vez por causa de um antetítulo no Boletim “A Voz do Olho”, edição de Outubro. "Terá faltado respeito em Joanesburgo? Lucky Dube assassinado por batuqueiros”. A implicância residia na interpretação daquele intelectual, segundo o qual se deveria escrever “Terá faltado com o respeito”?”, como se a razão da morte de L. Dube tivesse sido o insulto a alguém. Tentamos, enquanto autores e responsáveis pelo Boletim, informar ao jovem que se tratava de uma pergunta no futuro do condicional, usado geralmente quando não há certezas: ou seja, ao invés de dizer “Joanesburgo, cidade sem respeito?”, optou-se por estruturar o antetítulo daquela forma, aproveitando a convicção do artista, de que com o respeito o mundo pode sim ser um bom lugar para se viver. Aliás, “Respect” era precisamente o título do último álbum daquele terapeuta do reggae moderno (já agora, meu músico preferido). Tentamos ainda, em vão, aconselhar o nosso crítico a ler a matéria toda e entender o seu contexto, o que em nada lhe fez recuar na apreciação de que se tratava de um antetítulo mal concebido. “O único problema é que permite dupla interpretação”, desdramatizamos.

E quando acreditávamos que esse choque tivesse já terminado, eis que o nosso jornalistazito dá prova de que não é só baixo de estatura, mas também possuidor de muito baixo grau de civismo e humildade. Resolveu então, no alto da sua estupidez, pegar num exemplar do boletim segurá-lo no mais expressivo gesto de desprezo e afirmar “isso aqui não tem nada de importante!”, até ser contrariado por uma cidadã que, até, não tem nenhuma ligação com a AJS. "É que já o li e está extemporâneo", rectificou. Como o leitor deve imaginar, não respondemos: por um lado por acharmos legítimo o direito dele a emitir opinião, mas também por considerarmos um desperdício de forças estar a discutir com alguém que, sem estar embriagado sem nada, revelou tão baixo carácter. Aliás, já dizia o outro, “os tambores vazios são os mais barulhentos”. Ademais, este tipo de atitude é alimentado por um grupo de infelizes, enciumados e perdidos no tempo e no espaço, para quem alguém do Lobito não se deve destacar na praça intelectual de Benguela, enquanto cidade.

Esqueceu-se o megalómano apresentador de TV (que conta na sua trajectória, entre os principais fracassos, o afundar da representação provincial de uma associação juvenil), e que tem o mesmo grau de formação que nós, o da escola da prática e as superações promovidas por uma ONG, já que não é prioritária por cá em termo de políticas de estado a formação de jornalistas profissionais. Esqueceu-se também que era em vão competir com um simples Boletim informativo de voluntários, quando o oponente é uma televisão estatal, de si sem concorrentes. Não se lembrou também que desafiava jovens de manifesto espírito empreendedor e que conquistaram espaço em função da sua capacidade de pensar e poder de acção, seja como activistas de educação cívica e direitos humanos, seja como promotores de debates radiofónicos e editores de um boletim de distribuição gratuita. Só sustentou, aquele profissional oco, que “os jornalistas são uma classe potencialmente de invejosos”, como temos vindo a ser acusados. Na verdade, também nunca poupamos uma crítica lá onde esta se imponha, mas nunca o fazemos como se fossemos a enciclopédia em matéria de jornalismo.

Longe de nos transformarmos em vítimas, serve o presente relato para reflectir um pouco na natureza da crítica. Como isso de criticar é também um exercício de arte!? Bom, como defendem os sábios, “a crítica tem um papel pedagógico, o de ensinar e aprender em conjunto”.
Gociante Patissa, 15/12/07
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2 Deixe o seu comentário:

Soberano Kanyanga disse...

Tb fui vítima de insultos de jornalistas quando desempenhava funções numa Empresa. Meu desabafo na minha pag. de memórias foi aproveitado, e com muitos acréscimos, feitos por um "bando" de apaniguados que levaram os ditos jornalistas a fazer uma guerra ainda maior com proveito para amigos que são colegas meus de trabalho.... Agora já saberás o porque do mesumajikuka em vez de olho...

Anónimo disse...

Oi, S.C., é sempre um prazer dar de cara com os seuns comemnts e espero que continuemos esta ligação.
Juntos brother!
Patissa

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