quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

sábado, 8 de novembro de 2025

Duvidário do português 1 | NEGLIGÊNCIA OU INEGLIGÊNCIA?

 Há dias, numa formação, alguém fez referência à palavra "inegligência". Fiquei um tanto  quanto perdido, porque nunca tinha ouvido/lido essa palavra. Depois, então, percebi que se tratava de uma corruptela de "negligência" (coisas da Corruptela, conforme o dicionário Michelis on-line (2025), é a "Pronúncia ou grafia de palavra ou de expressão não aceitável pela norma." 

Negligência, de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2025) é "1. Qualidade de negligente. 2. Incúria, falta de diligência, desleixo. ≠ CUIDADO, DESVELO, ZELO. 3. Falta de atenções, menosprezo."

 Ora, na perspectiva do processo de formação de palavras, "inegligência" formou-se por derivação prefixal, ou seja, acrescentou-se um prefixo (i) à palavra primitiva (negligência). Como se sabe, as palavras derivadas por prefixação ocorrem por acréscimo de um prefixo à palavra primitiva: infeliz = in+feliz (Oliveira e Sardinha, 2007).

 

Já na perspectiva do processo evolutivo da língua, especificamente no que diz respeito aos metaplasmos, teríamos aí um caso de prótese, pois houve o acréscimo de um fonema (i) no início da palavra negligência. Metaplasmos são, portanto, "modificações fonéticas que sofrem as palavras na sua evolução." (Coutinho, 1976, citado por Pereira e Neves, 2022, p. 6). Prótese consiste na "adição de fonema no início da palavra (stella = Estrela)" (Ataliba, s.d.).

 

 Portanto, a palavra aceite ou atestada pelos dicionários é negligência.

 

Tomás Calomba (Mestre em Ensino da Língua Portuguesa)

 

FONTES:

 

1.      ATALIBA, Sandro. Português - Metaplasmos. Bom de Língua, s.d. Disponível em: https://bomdelingua.com.br/2018/01/29/metaplasmos/. Acesso em: 05 nov. 2025.

 

2.      "corruptela", in Dicionário Michaelis [em linha], 2025, https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/corruptela.

 

3.      "negligência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/neglig%C3%AAncia.

 

4.      OLIVERIRA, Luísa; SARDINHA, Leonor . Saber português hoje: Gramática pedagógica da língua portuguesa. 7. ed. Lisboa: Didáctica Editora, 2007.

 

5.      PEREIRA, Adriana Paixão; NEVES, Cinthia de Lima. Metaplasmos na fala de melgacenses: um recorte sincrônico. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, 2022. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/6762. Acesso em: 05 nov. 2025.

 

BIOGRAFIA


Tomás Calomba é angolano, licenciado e mestre em Ensino da Língua Portuguesa, pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda; é docente de Língua Portuguesa, desde 2024, no Instituto Superior Politécnico de Gestão, Logística e Transportes da Universidade de Luanda.

Promove estudos e publica artigos sobre o português falado em Angola.

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domingo, 26 de outubro de 2025

Ontem! Cerimónia de Benção e Outorga de Diploma do meu Mestre em Ciências da Comunicação

Ontem! Cerimónia de Benção e Outorga de Diploma do Mestre em Ciências da Comunicação, especialidade de Comunicação, Marketing e Publicidade, 2022-2024. Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, turma internacional leccionada em Inglês. Curriculum: Estudos avançados em comunicação / Media, Sociedade & Cultura / Meios Sonoros e Podcasting / Guionis mo-audiovisuais / Marcas e Reputação / Responsabilidade Social Corporativa-Sustentabilidade / Publicidade / Comportamento do Consumidor / Marketing Estratégico / Estratégias e Métricas de Marketing Digital / Metodologias de Investigação Científica. Média Final: 16 Valores. Defesa: Fev 2025




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sábado, 18 de outubro de 2025

TPA completa 50 anos. Sinto-me filho da casa, o escritor e o jornalista em mim foram revelados ali


18 de Outubro pertence à TPA (Televisão Pública de Angola), que comemora 50 anos de existência. Sem nunca ter feito parte dos quadros da estação, considero-me filho da casa nas minhas dimensões Jornalística e Literária. Tudo começou em adolescente quando "fugia" da escola e fui abordado pelo caminho pela carrinha de reportagem, na Catumbela, tendo sido entrevistado e convidado a assistir às gravações do programa infanto-juvenil Comboio da amizade. Ali fui rabiscando e recitando poemas, contei piadas e cheguei a produzir/efectuar três reportagens como aprendiz não remunerado na área do desporto, até desistir e seguir outros caminhos. Ao longo destes anos, senti-me sempre tratado com carinho e amparo por profissionais de diferentes áreas da televisão e procurei dar o meu contributo para o serviço público de cidadania. Estamos de parabéns. TPA somos todos nós. A foto é de 2025.

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DIÁRIO | O CONDE CORAÇÃO?

 DIÁRIO | O CONDE CORAÇÃO?

"Mas Ó MULHER! MU-LHER! Estás esse tempo ali fechada no quarto. Mas já não se almoça nesta casa?! É mesmo assim?!"

"Marido? Fala só um pouco mais alto, não se ouve bem..."

"Perguntei o almoço, pá! Não viste que o comboio das 12h40 já apitou?"

"Vou já fazer..."

"MAS SÓ PORQUE VOCÊ É QUE TRAZ COMIDA EM CASA, UM GAJO TEM QUE SUBORDINAR, MINHA SENHORA?!"

"Marido das outras também, quando a mulher está incomodada, cozinham lá um bocado..."

"Essa merda é brincadeira com coisas sérias, pá! Muito cuidado, ó mulher, marido hoje em dia tá difícil então. Tás a ouvir, né?!"

"Aprende ainda a ter paciência, marido. Estou a ver condecoração..."

"ASSIM JÁ É NOVELA DESSA PORCARIA DA TURQUIA, NÉ?"

"NÃO! CONDE-CO-RA-ÇÃO..."

"Agora começaste a namorar no telefone? Quem é esse tal conde do coração, que é para um gajo lhe partir já os cornos?! Um dia vou perder a compostura, sabés, né?!" 

"Marido, eu disse estou ainda a assistir condecoração..."

"Conde coração, conde coração!!. Você acha que tens mais idade para se apaixonar, essas coisas de fadas e condes e reis e princesas, mulher?! Um gajo cheio de fome e tu aí, em vez de cuidar dos teus deveres perante o marido, não! Ficas a viajar na maionese...."

"50 anos, homem."

"O que é que tem a ver se já tenho 50 anos?! Por isso fico a fome porque a minha mulher está com um conde novo no coração..."

"Nada, homem, já ganhaste. MAS NÃO SABES QUE ESTÃO A DAR MEDALHAS NAS PESSOAS O PRESIDENTE?! Está a pipocar. Quero ver ainda se nos 600 reconheço lá um..."

"Ah, quando é assim falava mais cedo, mulher. Essas medalhas vão matar gente de vontade. Faziam só já um livro com nomes e cada um espera o seu dia..."

"Se bem te conheço, lá no fundo também queres..."

"Achas que sou um professor qualquer?! Vai lá perguntar no PUNIV quem foi o primeiro prof a vender fascículos aos alunos. Ainda antes dos computadores do chinês, ouviste, mulher pouco informada?!"

"Seria medalha da candonga, meu marido?"


 www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | L. 18 Outubro 2025

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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Poema inédito | LOIÇA LIMPA

Poema inédito | LOIÇA LIMPA 

Aos meus amores

Não ofereçais relógio

amanhã ontem nem agora

Não vá o céu cair na tentação

De lhes cobrar o pulso

Ou o ponto da hora


Aos meus amores

Não ofereçais vestidos

Alvos rendilhados 

A ferro bem passados

Não vá o diabo ou o seu oposto

Sujar a nódoa


O amor come-se com as mãos

De amassar o pão

Minha mãe

E eu feito de mãos e argamassa

Lavei a louça

Mais cedo

toda ela

desta vez

toda

e se não mais cozinhar

É para não vê-la suja

outra vez.


Gociante Patissa | 04 Outubro 2009 - 08 Outubro 2025

www.angodebates.blogspot.com

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sábado, 4 de outubro de 2025

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Ensaio | SÓ MULHERES CANTAM NA PEDRA DA FUBA: O MILHO E O DESCANTE COMO PILARES DA CULTURA UMBUNDU [actualizado]



Gociante Patissa, Luanda 17-21.09. 2025 | 

Da sabedoria popular nigeriana lembra-nos o provérbio que “o homem não vai longe de onde se assa/cozinha o seu milho” (em inglês, “a man doesn't go far from where his corn is roasting”), um apelo à memória das nossas origens e laços em cada etapa da vida.
 

Mais uma vez o milho aparece no eixo da construção societária pela cultura alimentar e espiritualidade, o que implica atravessar e catalisar uma série de processos, valores e saberes de povos de origem Bantu, na região austral do continente africano. 

 

De acordo com o Relatório do Mercado de Milho da África, “o tamanho do Mercado Africano de Milho é estimado em US$ 41,40 bilhões em 2024, e deverá atingir US$ 57,26 bilhões até 2029, crescendo a um CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 6,70%.  O milho é considerado o alimento básico para a maior parte da África Subsaariana (...) África consome 30,0% do milho produzido no mundo, sendo a África Subsaariana responsável por 21,0% do consumo. Cerca de 14 países em África consomem 85,0-95,0% de milho como alimento básico” (Mordor Intelligence 2023).

 

À parte a economia e com foco no grupo etnolinguístico ou sociolinguístico Ovimbundu (predominante no sul, centro e sudoeste e faz mais de 1/3 da população de Angola), o nosso campo de pesquisa combina a linguística, sociologia, antropologia e a vivência, explorando o milho e o imaginário como factores de ignição na dinâmica das estruturas sociais e argamassa cultural. 

 

O presente ensaio nasce da análise de um curto vídeo (FAS 2025), que reporta a tradição de transformar o milho em fuba de forma artesanal por mulheres de uma comunidade rural de Benguela, sentadas num rochedo à beira do rio (em Umbundu, “ohanda” ou “esenje”). E ao compasso dos pisos de madeira com que trituram o milho, essas mulheres improvisam em coral de harmonia impecável uma antologia de cânticos declamativos.

 

O pirão ou funji de milho é o prato principal na essência Ovimbundu, acompanhado de carnes, peixe e verdura, superando os restantes cereais, designadamente a massambala, o massango e o trigo. Do milho derivam outros pratos, como “asola” (canjica), “ekende” (panquecas), sem esquecer a bebida não espirituosa e o maior símbolo de hospitalidade, “ocisangwa”. É com o milho que se ensina a rapaziada a montar armadilhas de pássaros, a par do farelo com que se prospera na suinicultura. A sêmola do milho chegou mesmo a emular o arroz para animar a mesa especial de Natal, nas décadas de 1980 e 1990, ante a quebra da ligação entre o interior e o litoral por conta da guerra civil que assolava o País. 

 

“O cimbundu, como qualquer Bantu, tem um ouvido bastante educado para o descante. Ele canta quando ara a terra dura (…); canta quando moe no rochedo no alto da montanha ou no almofariz seguindo um ritmo cadenciado (…); canta quando pesca” (...) Todas essas imagens são levadas ao âmbito metafísico e ético, numa linguagem metafórica, poética, única capaz de exprimir a beleza, o encanto, o espanto” (Tchikale 2011:17).

 

É sobre a inserção deste instituto de iniciação feminina que filosofamos nesta sequência de ensaios sobre o milho na antropologia Umbundu. Um é intitulado A ORIGEM DO NOME LUSATI: Um pouco de antroponímia umbundu (Patissa 2021) e outro, Oratura: Breve nota sobre o sentido etimológico da bebida “ocisangwa” (Patissa 2013).

 

A mensagem e a sua alegoria no plano dos hábitos e costumes

 

“Lele / si topola / si topola vali we” (oh, eu não desmato / já não desmato)

“Nãwã ka topola / ame si topola” (o cunhado recusa-se a desmatar / e eu mal consigo)

“Lele / okwenda umbumba kuvala” (oh, o quão sofrida é a vida de viúva)

“Visolo we / mweya ombimba / yele” (o arvoredo de mulembeiras foi invadido por bimba)

“Epungu vateyateya liocindongo” (o milho ideal de colher é o de espigas multicoloridas).

“Ondambi vayongoyola yukusole” (beldade para conquistar é aquela que gosta de ti).

 

A primeira parte da cantiga tem um alcance social e gravita em torno do verbo “Okutopola” (abater com machado ou catana). Neste contexto produtivo remete a desmatar uma parcela de terra para cultivo, papel socialmente atribuído ao homem. 

 

Dado que os valores do meio tradicional são de grande solidariedade para com a franja vulnerável (as crianças, os idosos, as pessoas com deficiência e as viúvas), torna-se, pois, insólita a negação a uma viúva que pede socorro para actividade braçal de subsistência, como é o caso de desmatar a terra de cultivo, ainda mais a desfeita vinda de um cunhado (grau que abrange também amigos e conhecidos do finado). Tal afronta à moral e ao capital social é logo inserida no repertório declamativo do rochedo, compondo-se assim mais um belo canto dolente feminino de autoria comunitária. O lamento expressa o mecanismo social de protesto e sanção, como desenvolveremos mais adiante.

 

Já a segunda parte tem um alcance mais simbólico, sem deixar de ser uma metáfora da harmonia entre os seres e a sua ligação espiritual com a ancestralidade e com a natureza, à volta de três tentáculos: o vegetal, o gastronómico e o afectivo.

 

O arvoredo de mulembeiras foi invadido por bimba sugere uma tensão a favor da árvore da sabedoria e sagrada (usolo), cuja fronde dá a sombra suficiente para se transformar em espaço de diálogo e de convergência (onjango). A mulemba oferece ainda raízes aéreas de uso medicinal (que simbolizam, por outro lado, a barba dos ancestrais), ao passo que a bimba, de caule leve, de pouco mais serve do que transformar-se em banquinhos e canoas artesanais. A sua presença junto à mulembeira ilustra a corrosão de valores. Quanto ao segundo e terceiro tentáculos, estes sentenciam que o milho ideal de colher é o de espigas multicoloridas; beldade que vale a pena conquistar é aquela que gosta de ti. Em termos estéticos emerge um trocadilho, posto que “ovisolo”, plural de “usolo”, partilha morfologicamente a mesma radical e fonema com “okusola” (gostar ou amar).

 

Para aprofundar a compreensão deste manancial da oralidade, desafiámos algumas fontes orais com recurso a plataformas digitais, das quais destacamos as três que se seguem: 

 

“A mbimba desenvolve-se em pântanos ou à beira-rio, Usolo é em terreno firme, sem exigência de rega quando já grande. Usolo tem uma copa grande e acolhe ninhos de várias aves. A mbimba cresce em tronco único e erecto, vai diminuindo o tamanho conforme cresce. Usolo tem um atributo medicinal que a bimba não tem” (Justo Cataca 2025). 

 

“Epungu lyotchindongo”, conhecido noutras variantes como “ocitengasova”, representa a convivência harmoniosa entre povos diferentes na mesma aldeia. Partilham o mesmo espaço, os mesmos meios de produção, porém cada um preserva a sua identidade. No momento da colheita, quando o camponês se depara com uma dessas espigas, separa-a das demais e guarda (...) Tem o nome de tchindongo, porque faz parte do conjunto sagrado de informações femininas simbolicamente codificadas do grupo: Ndongo, olundongo e otchindongo", coisa que só chega a descodificar quem for perspicaz ou “tchisukila okwenda undongosi”[1] (Sakaungu Sangalangui 2025).

 

Estas espigas raras “na dimensão do povo ovimbundu representam unidade (o milho branco e o vermelho são principais). “Ame pungu liyela. Sikwete epañu” (sou milho branco. Não rejeito ninguém). É assim que os mais velhos dizem” (Job Sipitali 2025).

 

Estrutura, forma e filosofia do cancioneiro Umbundu/Bantu


O cancioneiro Umbundu, como de resto não andará muito distante das demais línguas/culturas irmãs de matriz Bantu, é fragmentado, constituído por números breves de versificação livre, poucas estrofes e elipse frequente. Os trechos funcionam ainda melhor quando entrelaçados em antologia temática e por vezes, até, rítmica. Olhando para aquilo que é dado a tocar pela imprensa, são os casos das rapsódias interpretadas por Bessa Teixeira (sulunlã), Patrícia Faria (Tambula Osaya) e Duo Canhoto (Omboyo).

 

Não se podendo dizer que se trate de canções datadas, é seguro afirmar que impera no seu âmago o princípio da contextualização, ou se quisermos, a estratificação contextual por subgéneros que levam em conta factores sociais como a idade e o género, entre outros.

 

“Temos cantigas de amigos, cantigas de amor, cantigas de escárnio e de maldizer, canções de casamento ou epitalâmios, hinos à vida (acções de graças), canções bucólicas, etc.” (Tchikale 2011:18).

 

“Há também canções específicas para assuntos ou ocasiões específicas que se celebrem: nascimento, óbito, ritos de iniciação, casamento, lavoura, caça, acolhimento de um hóspede especial, recordação nostálgica de um ente querido, etc”. (Bonifácio Tchimboto e Eusébio Tchamawe 2019:51).


Margarido, Alfredo (1964:5) assevera mesmo que “não deixa de ser importante notar a conjugação existente entre a orientação que se regista em tais canções e a espinha dorsal que podemos encontrar na poesia erudita angolana”.

 

“No campo da literatura, sobretudo das narrativas de intenções pedagógicas condensam sistemas filosóficos. Porquê? Porque ensinam causas e efeitos de comportamentos cívica e moralmente desviantes, perniciosos ao equilíbrio e harmonia da vida comunitária dos Bantu” (Macedo 2010:25).

 

Assim, está visto que tanto o milho como a terra transcendem no imaginário e na memória colectiva a presença funcional de alimento e enquanto meios de produção. A gastronomia é o cabouco da cultura de um povo. No processo em si de idas e vindas entre o lar e o rio ou entre o lar e a “Ohanda/esenje” constrói-se a escola de educação para a vida de mulher para meninas, reservando ao universo feminino a privacidade para tratar dos seus tabus. O magazine social entoado ao transformar milho em fuba é outra conquista em termos de expressão em sociedade patriarcal, de recato e submissão. O rochedo que alberga as canções sabe muito mais da intimidade da aldeia do que a figura do próprio Rei.

 

Referências:

 

Bonifácio Tchimboto e Eusébio Tchamawe. 2019. Ética e Pedagogia na Literatura Oral Africana - Estudo Etnolinguístico do Umbundu. Vol. I. 1.a ed. Benguela: Factalux.

FAS, dir. 2025. «Si topola» - cancioneiro Umbundu com mulheres do Kaseke Benguela.

Job Sipitali. 2025. «Conceito e alcance proverbial de “Epungu lyocindongo” na cultura e imaginário Umbundu».

Justo Cataca. 2025. «Relação entre as árvores Usolo e Ombimba na cultura e imaginário Umbundu».

Macedo, Jorge. 2010. A Dimensão Africana da Cultura Angolana. 2.a edição. 35.o Aniversário da Independência Nacional. Luanda: INIC/Ministério da Cultura.

Margarido, Alfredo. 1964. Canções Populares de Nova Lisboa. 1.a ed. Lisboa: Casa dos Estudantes do Império.

Mordor Intelligence. 2023. «Milho África Tamanho do Mercado». https://www.mordorintelligence.com/pt/industry-reports/african-maize-market.

Patissa, Gociante. 2013. «Oratura: Breve nota sobre o sentido etimológico da bebida “ocisangwa”». http://ombembwa.blogspot.com/2013/03/oratura-breve-nota-sobre-o-sentido.html.

Patissa, Gociante. 2021. «A ORIGEM DO NOME LUSATI:  Um pouco de antroponímia umbundu aproveitando a moda». https://angodebates.blogspot.com/2021/05/a-origem-do-nome-lusati-um-pouco-de.html.

Sakaungu Sangalangui. 2025. «Conceito e alcance proverbial de “Epungu lyocindongo” na cultura e imaginário Umbundu».

Tchikale, Basílio. 2011. Cantares dos Ovimbundu: 135 canções em Umbundu. Colecçâo Ciências humanas e sociais. Luanda: Kilombelombe.



[1] A fonte utiliza a grafia católica ainda em uso para as línguas Bantu em Angola




 




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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Crónica | EU NEM SEI QUEM O SENHOR É!

 


A capital inexiste em Agosto. Corrigindo, existir, até existe, mas é vestida de fantasma. Tudo parado na agenda cultural, tirando fiapos de animação em bares, restaurantes e tascas de terceira linha. Porque os papões do ramo, estes, nessa época do ano, fecham-se em copas, fechar só a copa era pouco. Na vidraça das boas-vindas, como se poupassem no escrivão, estabelecimentos diferentes convergem na voz da folha A4 estampada. A estação é de Férias. Volta à carga só depois de 25. 

No pico do verão, a grande Lisboa inexiste. O sol, que ocupa três quartos do ano em expectativas desde a tenra idade, agora é o único a preencher avenidas. Radiante, a dizer estou aqui, abraçai-me! Só que não. É um sol solitário. A gente a sombra levou. Nada melhor que baixar os estores da janela, hidratar, resguardar a pele dos raios.

Há quem aproveite para dar vez a obras cosméticas, de burro pouco tendo. Pisca-se o olho à quebra de jejum que se avizinha, apimentando a relação com o cliente. Não dizem por aí que com os olhos se come? Até lá, ao apetite que cace pratos mais para o mediterrâneo é fazer o caminho de volta com a sua fome. Conforme-se! Um deles eu, ainda lerdo nisso de kebabs e de costas viradas com os Eats bicicletados da vida, por motivos outros (fiquem para outras crónicas).

Só mesmo a ASMA, perdão AIMA, a desmentir o defeso institucional, para o gáudio de imigrantes em sufoco de regularizar a condição de residentes. Brasileiros, PALOPianos, Indostânicos, Latino-americanos, bwé só. Abastados, trabalhadores, desenrascados, estudantes, mwambeiros, mixeiros e pambaleiros (os três últimos coisa nossa). Estreantes e repetentes prontos na data indicada por e-mail de agendamento, em alguns casos com uma antecedência estreita agravada pela alta dos bilhetes de avião. Feliz sai quem chega à etapa dos sinais biométricos, não faltando dramas de só abrir e-mail em Agosto quando o agendamento era para Abril.

É este o tema que povoa, mais o Afrobasket reconquistado ontem após quinze anos a tentar. Meia hora depois do fecho de portas, e o Boeing 777 TAAG ainda no chão. Taxiar mesmo (guardemos a palavra rolar para momentos especiais), que é bom, nada. O embarque até correra suave. Como sempre, figuras públicas e publicadas a colorir. Jornalistas, DJ's, músicos, políticos e para-políticos, tudo à mão de semear.

Na fila ao lado um passageiro de por aí cinquenta e meio anos, sentado no corredor, ao ver uma menina de não mais de sete anos passar com o seu trolley abonecado, sauda-lhe com ternura de neta. "Estás boa?" Ela caladinha. Ao fundo do corredor vem a mãe, que não tem como ouvir o papo. Ele insiste. "Estás boa, menina?" A menor então responde: "Eu nem sei quem o senhor é!" Pausa. "Não sabes, né? Tens razão", completa o homem. Em instantes passa a mãe da menina, esta sim conhecida. Pela conversa de circunstância há pelo menos cinco anos que não se viam. Embarque segue.

A cena, curta na sua acção, projecta bem o dilema que se coloca às formas de educar o ser social. A dose certa entre a herança de um sistema de valores mais comunitário (de parentesco africanista extensivo) e a consciência de prevenção da criminalidade urbana (onde se educa a criança a não interagir com estranhos)... quem achará?

Gociante Patissa | por cima do Atlântico| 25 Agosto 2025 | www.angodebates.blogspot.com

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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Partida de César Kangwe deixa Benguela sem a sua maior referência no drama-radiofónico

 A asserção atribuída a Octavio Paz, segundo a qual “não há poesia em si, mas em ti”, fazjustiça a pessoas da estaleca sociocultural de César Kangwe (pequena onça, na língua Umbundu). A lenda deixou o mundo dos vivos, fiquei a saber há instantes. De facto, pouca diferença faz que não se tenha convivido com ele no círculo mais restrito. O impacto do seu trabalho permanecerá sempre vivo, tanto nos arquivos sonoros da então Emissora Provincial de Benguela como na memória colectiva.

Tive o privilégio de o convidar em 2007 para a mesa-redonda que discutiu os desafios de valorização das línguas angolanas de origem africana, num espaço que realizei e co-apresentei com o Edmundo Francisco ao serviço da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade). Impressionava a distância a que o kota Kangwe se mantinha do microfone, no entanto preenchendo o espectro com a potente voz.

 

Trovador, compositor, guionista, locutor, actor de drama radiofónico de expressão Umbundu, o filho da Ganda ficou conhecido pelos episódios de “Cimbanda Kawele – haeye oloha, haeye osakula”, “Quem cacó ndaqui”. Através das radionovelas retratava-se em tom satírico as peripécias na coesão social de um país ainda novo, com um mosaico diverso que se tentava adaptar ao modo de vida na cidade. Kangwe e a sua equipa produziram durante duas décadas o que representa, sem sombra de dúvidas, a mais alta referência social e antropológica.

 

Para as gerações mais recentes o nome César Kangwe poderá soar algo distante, excepto talvez pela corruptela na saudação “Um braço!”, celebrizada em companhia de Agostino Tropa, Mirene Praia, Luwawa, Pedro Largo, Victorino Hosi, entre outros, no programa “Omenle Yocinjomba” (manhã de festa), depois rebaptizado como “Ocinjomba Cokoviteketeke” (festa da madrugada). Era um fenómeno de audiências e magnetismo digno de estudo sociológico, colocando meio litoral de Benguela acordado, rádiorreceptor debaixo do braço entre as 4h00 e as 7h00 da manhã.

 

A mística viria a ser corroída já mais recentemente, nos últimos quinze anos, numa iniciativa da Rádio Nacional de Angola que entendeu reduzir o tempo de emissão e “despejar” o magazine social da frequência principal da Estação que emite nos 92.9 FM,  realojando-o numa frequência secundária. De resto, um gesto legítimo da entidade que gere a rádio, porém difícil de compreender, face ao capital social que o programa granjeara como património do povo, à parte um ou outro deslize editorial. Ocinjomba Cokoviteketeke unia os vários segmentos da sociedade, pela vívida identificação que estimulava em quem ouvia a língua/cultura projectada no espaço mediático oficial.

 

Quem o visse passear pela cidade, já em idade de reforma e se reinventando nas antenas da Rádio Morena Comercial onde Kangwe animava um espaço nocturno, podia não lhe captar suficientemente a envergadura do contributo prestado ao País e à memória colectiva, nas décadas de 1980-90. Eram tempos em que se contavam aos dedos de uma mão as casas com televisor, cabendo à rádio o papel social de educação e enriquecimento do imaginário, produzindo radionovelas e uma série de programas na linha daquilo que hoje se designa por infoentretenimento.

 

Mais velho Venâncio César Kangwe, ou Ngunsu Yowiñi (A força do povo), como também te deste a conhecer no Facebook, a nós resta-nos a vénia eterna à tua figura. Upongo wove uliliwa ndati? Twasala upongo, a sekulu. Wapesela ka nõlã!

 

Gociante Patissa | Lisboa, 22 Agosto 2025 | www.angodebates.blogspot.com


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Gociante Patissa recita poema "Alugam-se velhos" na RTP África

A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

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