sexta-feira, 29 de junho de 2018

Em linhas tortas (54)

Exªs do INACOM, quem foi que deu às companhias de telefonia o direito de nos tratarem por tu?! Sua Exª Eu lembrou-se do modo imperativo e da velha confusão entre tu e você.

Até há coisa de dez anos, só o Estado se dirigia ao país por tu, naquelas chamadas para o serviço militar obrigatório. A linguagem de toda a restante publicidade era formal, salvaguardando o distanciamento que a cultura da língua impõe na relação com desconhecidos. A indústria publicitária já roça o nível da banalização e abuso, ao procurar tratar o destinatário da mensagem por “tu”, como se fôssemos crianças ou de status inferior ou ainda pessoas da confiança das empresas.

Já agora, excelência que está a ler este texto, se uma pessoa se dirigisse a si dizendo “você vais casar comigo”, estaria gramaticalmente falando sério? Ou por outra, quando um cantor se dirige ao público dizendo “batem palmas”, estaria ele a afirmar ou a pedir/mandar? Calmex, excelências, são apenas provocações para reflectirmos sobre a grande confusão no português falado em Angola (sei que não só, mas pretendemos delimitar a abordagem), quando o assunto é o modo imperativo.

Na linguagem familiar, estamos autorizados a cometer os deslizes inofensivos, um dos quais sendo tratar um mesmo interlocutor por você (modo formal) e por tu (informal). O problema é que aspectos de natureza até cultural acabam sendo atropelados quando trazemos a língua na sua função mais formal e pedagógica. Ao contrário do inglês, em português o pronome pessoal varia de acordo com o status. Ou seja, para alguém de nível inferior ou igual ao nosso, usamos o TU, mas quando é de um nível superior ou alguém que não é da nossa confiança, usamos VOCÊ. Ora, por assim ser, tal característica influencia o sentido de correcção no modo imperativo (o de pedir, mandar, dar ordem).

Para o contexto de tratar o interlocutor por VOCÊ, os verbos cujo tempo infinitivo termine em “er” e ir passam para “a”. Exemplo: corra; fuja; Em verbos que terminam em “ar” passam para “e”. Comece; chegue cá;

Para o contexto de tratar o interlocutor por TU, em frases positivas, o modo imperativo faz-se usando a forma verbal que seria a da conjugação da terceira pessoa do singular. Exemplo: Sai daqui; vem cá; começa; fala comigo. Faz isso.

Já em frases negativas, se o tempo infinitivo do verbo termina em “ir” e em “er”, faz-se a construção aproveitando a estrutura da terceira pessoa do singular + “as”. Exemplo: Não saias daqui; não fujas. Em verbos que terminam em “ar”, a mesma estrutura + “es”. Exemplo: Não grites; não comeces; não reclames.

Portanto, não é correcto dizer “não entram ainda na sala” se a intenção é pedir/mandar. O certo é “não entrem"… Também é incorrecto dirigir-se a um superior hierárquico nos termos “fala mais alto por favor”, diga-se antes “fale mais alto”. Antes era só um fenómeno da oralidade, que logo saltou para as letras de música, para a literatura. Tende a confusão a agigantar-se tendo como factores principais a “confiançudez” dos peritos de publicidade e marketing, nas suas campanhas dirigidas a um público com já tão débil formação no que respeita ao domínio da língua de Camões.

Resumindo, há diferença entre afirmar e pedir/mandar, que leva em conta se nos estamos a dirigir a alguém que deve ser tratado por “tu” ou então por “você”. A matéria é chata, né? Eu que o diga. Aprendi em 2005 com a professora Ainda Baptista, então leitora do Instituto Camões em Benguela, no curso básico de jornalismo, mas só mais tarde apanhei. E pronto, ainda era só isso. Obrigado.

www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Catumbela, 29.06.2018
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