sábado, 31 de março de 2018

Em linha tortas (40)

Depois de algum adiamento, enchi-me de coragem e comprei hoje o livro mais recente do historiador Armindo Jaime Gomes (ArJaGo), na livraria apensa à estação de comboios na Restinga do Lobito. «Ovimbundu Pré-Coloniais - Contribuição ao Estudo sobre os Planálticos de Angola», 352 páginas, 2016, é um ensaio académico/didáctico (não obra literária, como é moda designar tudo o que é livro). Desde já promete, atendendo os antecedentes do autor, que agora empreende encabeçando o Centro Académico Cultural Umbombo, sob a chancela editorial da qual sai a obra. Como consumidor, não posso deixar de lamentar o preço, 4 mil kwanzas, que é assim um tanto puxado. Aliás, uma volta transversal pelo preçário naquela livraria, que não deve andar distante das demais, remete à triste constatação de os livros estarem condenados a ser repelentes, numa sociedade com já tão baixos níveis no hábito de leitura. Concorrem para um tal culturalmente tétrico contexto os altos custos de produção, num mercado cronicamente dependente de importações, com as editoras a não fazerem mais do que intermediar entre o bolso do autor e a gráfica. Definitivamente, enquanto não se reactiva a indústria do papel, ou o Estado subvenciona a produção livreira, atendendo a tudo de crucial que o livro representa no desenvolvimento de uma nação, ou continuaremos a assistir ao encerramento progressivo de livrarias, servindo-nos de consolo talvez o crescimento da indústria cervejeira e a revelação de kuduristas em vagas já bem superiores à de cogumelos em época de chuva. Como nota e rodapé ressalte-se que ArJaGo, também poeta e prémio António Jacinto 1998 (dedicado a estreantes), para além de sócio da editora KAT (de Kajibanga, Armindo e Tuca), é dos poucos académicos que fazem ciência, entendida como produção do saber e não apenas a reprodução dele por via das aulas. Lamenta-se por outro lado a ausência da biografia do autor, pois seria sempre um importante acessório para que o leitor que nunca tenha ouvido falar dele possa aferir a competência e a sua autoridade sobre o tema. Não se sabe se foi fruto de alguma falha ou pura intenção. Dados oficiais disponíveis indicam que nasceu no Kuito, Bié, Angola, no ano de 1962. É licenciado e mestre em ciências de educação no ISCED - Lubango e na Universidade de Évora, variantes História e Administração Escolar, dedicando-se à docência de História de Angola desde 1997, sendo um dos pioneiros no ISCED de Benguela.

www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Lobito, 31.03.2018
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sexta-feira, 30 de março de 2018

(Extracto do conto) CONSULTÓRIO NÚMERO QUARENTA

"O povo queixa-se, sempre, é sua natureza. Há médicos, aqui nascidos ou do estrangeiro requisitados, que plantaram morada fixa na boca do povo, e não é pelas agulhas, comprimidos, nem pela empatia. Boa fama não vem quando a nascente é o hospital, de Benguela, o geral, erguido sobre as esperanças do povo, muito dele sem fôlego para galgar a tesouraria de uma clínica. Como se já desagradasse pouco a barreira que é o pavilhão internacional, o povo que, como bem se diz, nasceu com o dom natural de reclamar, às vezes porque sente, às vezes porque mente, já não pode com médicos talhados a comerciantes da dor do próximo. É-lhes admirada a frieza de quem condiciona o atendimento da maioria, desde que qualquer singular lhes adorne a impunidade com umas dezenas de milhares de Kwanzas.

Tudo existe de reagentes, equipamentos. Fazem-se milagres, um deles sendo o da multiplicação do tempo, neste campo o recurso mais escasso. Os despojados, maldita paisagem esta, podem bem padecer à porta apinhados ou no vazio de uma enfermaria, enquanto o médico, cubano, ucraniano, vietnamita, angolano, consoante o acaso, investe horas de empreendedorismo em exames especiais, quando não em cirurgias complicadas, pois podem todos (o médico, pelo poder da função. O desesperado paciente, pelo tostão). O povo queixa-se sempre, mal sabendo conservar eventuais provas. Talvez equivocado, ainda acho que há que ouvi-lo."

Gociante Patissa. In «O Homem Que Plantava Aves», 2017. Pág. 74-75. Editora Penalux, Guarantinguetá. São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 29 de março de 2018

Recortes

- Vocês têm sopa de legumes?
- A nossa sopa de feijão leva legumes, praticamente é a mesma coisa.
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(Diário) Mas lá na sua casa não tem regras?!

"Desculpa, minha senhora. Assim não pode de entrar…”
“Não posso, como?!”
“Do jeito que a senhora está apresentada, é só ler o comunicado da direcção. Por acaso, não mente…”
“MAS ASSIM ESTOU MAL?! ME FALA MESMO, SE CALHAR ESTOU A FICAR CEGA E AINDA NÃO DEI CONTA. ASSIM UMA GAJA ESTÁ MAL?”
“Bem, segundo só a papelada, assim essa blusinha de parto-os-cornos, calções subidos, sinceramente, o comunicado não aprova essa ética…”
“Eu só vou ao ATM, ó senhor segurança!, esse multicaixa que está no corredor, não vou entrar nos escritórios…”
“Mas é isso mesmo. Uma vez que o aviso está na porta desde o ano passado, e outras pessoas já costumam vir aqui e cumprem, então da porta para dentro, do jeito que a senhora está, contraria…”
“Mas esse país também!… Vocês têem de viajar mais, meu senhor! Estão muito atrasados!…”
“Assim atrasado de quê?”
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Citação

"Se não fora a luz dos teus olhos (...) Sem essa luz, decerto, não haveria reatado a faina ingrata e vã de escrever para uma terra repartida em dois hemisférios hebéticos na quase totalidade, o dos lentes e o dos iletrados, e conforme com os destinos. Para quê?"

(Trecho da dedicatória do escritor português Aquilino Ribeiro no romance «O Homem que Matou o Diabo», p.05, 2007. Círculo de Leitores, Portugal, escrito em 1930 e editado originalmente pela Bertrand Editora)
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quarta-feira, 28 de março de 2018

Diário | Esses bebés de hoje se comportam tipo já são hipertensos, né?

“Aló, compadre. Não se ouve só assim bem. Será que estás na baixa? É como?”
“(…)”
“As crianças estão bem ainda, graças a Deus. Assistem bonecos, se peidam, saem e voltam sujas da brincadeira na lama da chuva, vão na escola, é porque saúde ainda está lá…”
“(…)”
“Ah, ligaste, né, compadre? Ya, estive ainda aqui no trabalho a ouvir as enfermeiras…”
“(…)”
“Estão a falar de noite na maternidade não houve luz, aquilo as grávidas é lhes levar para parir no Banco de Urgência. Parece é onde tem um kagerador pequeno. Aqui mesmo no Central, compadre…”
“(…)”
“Se já comecei a trabalhar? Ah, até, não, meu compadre. Tenho mesmo aquele kanegócio só de ginguba torrada. Às vezes, quando nos legumes não passo, vendo frutas. Quando o dinheiro morre lá, volto mais na ginguba. É assim mesmo, para não chegar em casa e as crianças estão a olhar a mãe com as mãos a abanar…”
“(…)”
Se agora estou a vender aonde? Aqui mesmo no portão do hospital. Tem sempre esses que trazem doente e ficam com fome, então ginguba tem saída… A minha forma de roubar é mesmo esta, compadre… É trabalhar para os filhos amanhã minimamente ser alguém na vida, não ser mais como nós…”
“(…)”
“Um momento ainda, compadre, bebé está a chorar. Não sei se é calor, mas esses dias também está só assim uma coisa… Ainda parece logo em casa vou-lhe dar um supositório… não quer xuxa, água também não aceita. Esses bebés de hoje se comportam tipo já são hipertensos, né?, compadre.”
“(…)”
“Como? Estou armada estes dias?”
“(…)”
“Ah, é verdade. O compadre também mudou muito. Aquilo que fizeste, compadre, não gostei nem só um pouco. Me deixou muito zangada. A pessoa não pode esconder, compadre.”
“(…)”
“Não atendo telefone porquê?”
“(…)”
“Só estou a falar por mensagem, né?”
“(…)”
“Ah, estou a guardar as palavras quando nos encontrarmos cara a cara. Assim se adiantar já no telefone, senão a raiva vai-me acabar, compadre.”
“(…)”
“Falo coisa que dói, né? Mas é a verdade, compadre. A verdade dói, né?”
“(…)”
“Nessa vida já fomos moles. Vi que moleza não resolve, compadre…”
“(…)”
“Olha dizem que a verdade dói, mas também cura…”
“(…)”
“Mas é assim, ó compadre. Vou desligar. Tem cliente. Um dia vamos falar pessoalmente aquele assunto, ya? Porque no telefone, senão assim, a minha raiva vai-me acabar. Numas horas, ya?

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 | Gociante Patissa | Benguela, 27.03.2018
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terça-feira, 27 de março de 2018

Just a question

Livros resultantes de pesquisa, mas que trazem aquela advertência a dizer "nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida em qualquer forma sem a autorização escrita do autor"... são para levar a sério em termos de coerência e realismo? A ter que solicitar por escrito o aval de cada autor que se tenha de citar, haveria produção científica no mundo, já que esta abarca também uma componente de citações bibliográficas? Em termos de antecedentes, algum tribunal alguma vez conseguiu condenar algum académico por citar um determinado autor na sua publicação sem no entanto esperar pelo aval daquele? Ainda era só isso. Obrigado
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Citação

“A montanha dá paz mas induz à soberba. Os santos padres escreviam na humildade rasteira das suas celas. Quando o Diabo quis tentar Jesus Cristo nada achou melhor do que levá-lo para o alto monte, donde se avistava meio mundo em volta. O mestre da malícia sabia muito bem o que fazia. Nas livres alturas, sentindo menos o vale de lágrimas, o homem despoja-se da sua personalidade, que é a carga de todos os dias, e ala-se. E, em alar-se, tudo é orgulho e vaidade.”
(Fala do personagem padre, in «O Homem que Matou o Diabo», p.58, 2007. Círculo de Leitores, Portugal. Romance de Aquilino Ribeiro, português, escrito e editado originalmente em 1930 pela Bertrand Editora).
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segunda-feira, 26 de março de 2018

INDICAÇÃO DE LEITURA | Livro: "O homem que plantava aves", contos. Autor: Gociante Patissa. Por: Nathália

"O homem que plantava aves" é um livro de contos do escritor angolano Gociante Patissa.

Nele temos 14 contos e 1 fábula que exploram um pouco da cultura Angola, em especial Umbundu.
Os contos são permeados por aspectos históricos (como a guerra civil) e autobiográficos (baseados em experiências e episódios da vida do próprio autor.
Apesar de não ser uma leitora assídua de contos (demoro um pouco para entrar no ritmo da história, e os contos, por serem curtos, acabam me dificultando mais ainda), adoro livros que me transportam pra outras culturas e esse definitivamente foi um deles.
Os contos que mais gostei foram:
- O homem que plantava aves
- A que ponto chegamos, oh minha vida!
- A chefe e os homens 
===========================

A obra está disponível para compra e pronto envio em nossa livraria on-line:
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Diário | Agora assim no Procurador vais falar o quê, mor?

“Ó mulher! MULHEEEER!”
“Ó mulher, ó fioconco! São maneiras em pleno Março?!”
“Desculpa, amor. MEU AMOOOOR!”
“Agora está melhor. E quem chama?”
“Mas assim então mais é como?! Somos quantos que te chamamos amor?”
“Estou a brincar, meu bobo!… O que queres da minha pobre pessoa, tu que estavas a tomar mesmo só teu banho bem, hã?”
“TRAZ AINDA UMA VEEEELA! Essa porcaria da luz já foi outra vez. Também, né?, se a luz não fosse, isso não seria Angola. Esses gajos, sempre incompetentes…”
“Por acaso a luz nem foi…”
“Como assim, não foi, se a luz apagou?! Então é curto-circuito?”
“Curto-desleixo, amor. O teu bocadinho de saldo pré-pago acabou…”
“Aiéh? Mas logo agora?!”
“Despacha-te para o trabalho, ó homem atrasado…”
“Atrasado, não! Impontual! Mas também não é o caso. Eu sou gestor público, gozo de isenção de horário…”
“Hum… Não estou convencida. Não vamos só se enganar, mor. Tens de lá estar, dar exemplo à equipa, motivar…”
“Motivar é que é a maka. E a mim quem é que me vai motivar?”
“O vencimento e as regalias…”
“Não falo disso. Esses dias, oh meu amor, ando assim de um jeito que desconfio que tenho depressão. Ainda quais são os sintomas de depressão mesmo?”
“Oh, mas tu não conheces os sintomas, e já sabes que estás com depressão?”
“É o Procurador. Esse novo Procurador afinal acha que é quê?! Ele deixa muito a desejar, me desmotiva muito, amor. Também não é assim! Até já parece perseguição...”
“Mas ele citou o teu nome, disse mesmo que estou a dar ultimato ao dirigente sicrano?”
“Tu não ouviste ao meu lado no noticiário a insistência dele em tomar medidas aos gestores públicos que não entregaram declaração de bens?!”
“Mas o que é que te custa pôr num papel os bens mais valiosos que tens? Quando dás voltas assim, já sei que há mambos a esconder. Será que tens medo ou arrependimento?”
“Medo, eu?! Alguma vez fui de pedir desculpas?! Sabes que sou de personalidade forte…”
“Ah, Ok. Hoje em dia o mais importante é isso, né? Personalidade forte, carácter fraco…”
“É de se ofender?!”
"Olha, por falar nisso, uma prima de uma amiga contou que parece que também tem de constar no património a declarar a palavra-passe das redes sociais do dirigente, amor. Se fosse comigo, ameaçavas pedir divórcio. Agora assim no Procurador vais falar o quê, mor?”
“Juras? Ou então vou só meter uma junta médica até o homem ser exonerado?”

www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Benguela, 26.03.2018
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domingo, 25 de março de 2018

Conselho a porta-vozes durante a gestão da crise

"Mentir, não! Não que mentir nos leve ao inferno, mas porque mentir é estúpido. Nunca se sabe de onde o inesperado poderá surgir (foto ou vídeo) para desmascarar a mentira e, assim, dar cabo da credibilidade. Não atire a culpa da crise para outra pessoa. Diga o que você faz para resolver o problema. Nunca tentar negar a realidade."

(Eduardo Cue, perito em Assessoria de Imprensa, durante o seminário promovido em Benguela pela Embaixada Americana no dia 27.10.2015)
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sábado, 24 de março de 2018

Avisaram

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(Diário) Diário | Não estás em mãos livres, né?

"Aló, cunhada! Feliz ano novo!..."
"Já?! Ainda é só natal. É pressa de quê, minha nhã?"
"Aliás. Feliz natal. Essa boca um dia nos mata, cunhada hahaha..."
"Você não liga isso, minha bro. Estamos bem ali ou não queres dizer nada?"
"Bem é pouco, nhã..."
"Estou já curiosa. E essa euforia, minha ndengue?"
"Ia mesmo falar nisso. Mas, fala ainda uma coisa. Não estás em mãos livres, né?"
"Fica calma, xé! Estou nos fones, bro. Abre a loja."
"Nhã, é assim. Aquele meu pretendente, tipo já lhe preparei o sim..."
"Não faz isso, miúda..."
"Mas porquê?"
"Gostas mesmo dele?"
"Yá. Ele é assim engraçado, tás a ver?"
"Mas acho que não devias aceitar. Espera mais um pouco..."
"Mas, cunhada, não me esconde nada! Sabes alguns podres dele, é isso?"
"Até não. Mas..."
"Mas então esse mas...?"
"Até não sei como falar. Mas é assim, vai-te aparecer um galã, um broto. Se garante, mulher, faz favor! Esse teu pretendente é muito feio, desculpa, nhã... !"
"Ah, mas o primo também não lhe fica atrás, cunhada. Também a beleza não é o ponto forte do teu querido fofinho. Mesmo assim lhe aceitaste e não dás espaço às namoradinhas que se engraçam com ele. Ou não?"
"Mas não se compara, o meu caso é diferente, eu amo o teu primo..."
"Hum! Afinali?..."

www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Benguela, 26 Dezembro 2017
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sexta-feira, 23 de março de 2018

Em linhas tortas (38)

O advogado Domingos Chipilica Eduardo e os signatários do litígio que embargou a materialização da “venda” da praia do Pequeno Brasil a privados estão de parabéns. Trata-se de um perímetro contíguo à emblemática Praia Morena, na cidade de Benguela. Jaime Azulay, João Marcos, Francisco Macedo, Isaac Sassoma, Viriato Albino, Felisberto Amado e Paula Russa reescrevem a história de Benguela com a tinta da bravura (desafiando o espectro do ostracismo). Com a providência aceite e o embargo da obra aplicado, fica a esperança de se ter uma justiça actuante, ainda que de forma transitória (já vimos obras embargadas continuarem). Diante da victória do exercício da cidadania, a galinha da gula vê-se contrariada de mandar para o papo o terceiro bago, de um conjunto de cinco (terrenos talhonados na areia da praia) e de pessoas ao que consta bem identificadas, protegidas todavia pelo politicamente correcto. É pois uma providência cautelar com sabor a muito, porque pende a bem do património colectivo a posse da praia e não para um projecto individual de construção de ginásio que, convenhamos, nada para já prova que não pudesse ser implantado em qualquer outra parte da cidade. De qualquer das formas, fica sempre aquela pulga atrás da orelha em função das demais infraestruturas que ali permanecem, também recém-construídas e que padecem dos mesmos vícios, nomeadamente o restaurante e o infantário. A parábola da corda ganha vez, pois partiu-se pelo lado mais fraco, não tendo vingado o protesto quando as primeiras invasões foram ganhando altura sob o guarda-sol do então inquilino do Palácio da Praia Morena, Isaac dos Anjos. Até chegou a haver um simulacro (?) de embargo de obra por parte da Edilidade do meu amigo e antigo formador de jornalismo, o Leopoldo Muhongo (não que sua excelência eu ponha as mãos no fogo pela inocência do homem), entretanto desautorizado pela hierarquia provincial. Se fosse nos filmes, era só inserir no roteiro um tsunami, porque despido de subjectividades, capaz de mandar tudo para os ares (no princípio da igualdade de circunstâncias) e repor a justiça, deixando a praia na versão anterior herdada da era colonial, livre. É que tendo reinado cá durante séculos, as autoridades coloniais mantiveram o espaço longe da ganância e da retórica de um desenvolvimento que não desbrava nem reverte os espaços públicos a favor do bem-comum, antes pelo contrário. Bem, com todo o respeito que a opinião contrária nos merece, deixo claro que não alinhamos naquele "escadote social" com cara de chantagem, o cliché de que os empreendimentos se justificariam porque os postos de emprego salvariam da delinquência jovens desfavorecidos. Not! Ainda era só isso. Obrigado.
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | 23.03.2018
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quinta-feira, 22 de março de 2018

quarta-feira, 21 de março de 2018

Crónica | E quem é que autoriza morrer?

Foto: Sapo Viajar Angola
Um dia carregado de emoções. Estivemos esta tarde no cemitério do Luongo, do município da Catumbela, para deixar ficar a mana Salomé naquela que é a partir de hoje a sua última morada, para qual foi empurrada de forma prematura pelo extremar da violência doméstica, como anteontem referimos.

Antiga moradora do bairro da Santa Cruz (antes município do Lobito, hoje da Catumbela), Salomé foi assassinada no passado dia 18 pelo namorado com quem mantinha uma relação de pouco menos de seis meses. O monstro, como bem referiu o leitor do elogio fúnebre, não levou sequer em conta a "ressaca" do 44.º aniversário por ela recém-completado nem mesmo a natureza terna que o mês dedicado à mulher implica. Indignação, revolta, sugestões amiúde de pena de morte e perguntas sem respostas marcaram o ambiente.

Porque é que não morreu pelo menos de plasmódio, de ataque cardíaco? Como conceber que um ser humano foi capaz de agredir a namorada com a cobardia de quem se serve de uma catana e investe fatalmente, ao ponto de a deixar não só sem vida mas também fisicamente irreconhecível? E os órfãos? Haverá anos de cadeia que preencham o vazio deixado? E ver a Mimi e a Anica, irmãs mais novas da malograda, com o retrato emoldurado, aos prantos, exigiu uma enorme ginástica para conter lágrimas, pelo menos para quem conseguiu segurar este lado do abanão à sensibilidade.

O bairro da Santa Cruz fica assim um pouco mais empobrecido por conta desta partida de uma das mais emblemáticas beldades. A mim particularmente, é-me sempre difícil regressar ao bairro que me fez homem, de onde parto no fim do dia com aquela sensação de dívida não paga, ainda mais em ambientes de funeral, na medida em que nos vemos rodeados de pessoas que nos viram crescer e que nos merecem toda a atenção, mas que o momento não é propício para distribuir saudações.

Custa sempre lidar com a sensação de termos visto na multidão alguém que em certa época marcou a nossa vida (infância, adolescência, maturidade) e entretanto, uma vez imprópria a circunstância, não nos podermos entregar à "roda-viva" de apertos de mãos, beijinhos e matar saudades. Um com quem jogamos à bola, outro com quem fomos à escola, à igreja, um terceiro com quem criamos a associação comunitária, e por aí vai.

À margem do cenário, e não distante dele, tocou-me profundamente a manifestação de emoção de uma mana lá da banda, contemporânea da falecida, daquelas com o direito mais do que adquirido de tratar os da minha geração por eternos putos, ao dizer, mais palavras, menos palavras, no momento do reencontro, o seguinte: "Vieram acompanhar a Salomé? Então sinto-me amparada. Assim sei que no meu funeral vocês também virão, que posso contar convosco". Mas, ó mana, quem é que te vai autorizar morrer?!

Parecia brincadeira, mesmo assim ficou a inquietação. Em se tratando de alguém cujo estado de saúde vem flutuando ultimamente, as palavras roçaram a despedida, a qual desde já nos recusamos a aceitar. E quem é que autoriza? A mana não pode morrer, cuidamos de advertir. Melhor, não deve. Não se atreva! Ainda era só isso. Obrigado

Gociante Patissa, Santa-Cruz, Lobito, 21.03.2018 | www.angodebates.blogspot.com  
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segunda-feira, 19 de março de 2018

Em linhas tortas (37)

Depois de o ver insultado e distratado por clientes da mesa ao lado, com ameaças de bofetadas no cardápio e tudo, pela (simples) confusão da destrinça de trocos na conta em separado de quatro convivas, dirijo-me, um tanto paternalista, ao jovem garçom. Ele, que também a meu justo ver não de deixa de ter uma fatia da culpa, pelo facto de confiar na sua falível memória e não usar do bloco de anotações, encontrava-se visivelmente ainda digerindo a situação, a qual enfrentou, qual carneiro, impotente diante de um factor social indisfarçável (a barreira da classe social entre um serviçal suburbano e os clientes daquele tipo de elite que por Benguela grassa, por natureza mais próxima do julgamento do patrão, algures no escritório e alheio à tensão): "Vocês aqui passam mal na mão de alguns clientes, né?" E jovem garçom, económico em palavras, completa: "Mô kota, numvalapena. Aqui até já é só mesmo seguir Samakuva, é só engolir sapos". Pronto, e ainda tem de fechar com meio-sorriso e a costumeira mentira do ofício: "Volte sempre". Ainda era só isso. Obrigado.  http://angodebates.blogspot.com/
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Do Blog para a imprensa convencional | CRÓNICA DE GOCIANTE PATISSA LIDA NAS PÁGINAS DO JORNAL DE ANGOLA

O «Caderno de Fim-de-Semana», suplemento do Jornal de Angola, edição de domingo, 18.03.2018, retoma na página 03 a crónica «EU É QUE NÃO QUIS SER RICO», inicialmente publicada no Blog pessoal de Gociante Patissa, «Angola, Debates & Ideias», cujo link é http://angodebates.blogspot.com/. Não sendo a primeira vez que um texto do blog alimenta um jornal convencional, não deixa no entanto de ser um indicador satisfatório do quanto a nossa produtividade contribui para melhorar o mundo. Foi com certa surpresa que recebemos o telefonema do editor a informar que a crónica estava já paginada. Assim sem falsa modéstia, convém dizer que há alguns bons anos já que estabelecemos como mote "o nosso trabalho é trabalhar", pelo que acreditamos muito oniricamente que não é preciso andar a competir nem "empurrar" ninguém para alcançar seja que meta for, preferindo antes focar no trabalho e sermos localizados só e apenas por mérito dele, de maneira natural. Para fazer o download do «Caderno de Fim-de-semana», eis o link http://imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/file5aae5a4230bdacaderno_18.pdf
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domingo, 18 de março de 2018

Obituário | Chama-se Salomé aquela mulher que tingiu os noticiários de sangue

Aquela mulher que amanheceu hoje tingindo de sangue as primeiras linhas do noticiário é a Salomé. Foi um choque enorme a notícia do seu assassinato, perpetrado pelo inimigo mais próximo e perigoso (porque difícil de prever), aquele a quem um dia se juntou no papel de marido, no bairro do Luongo, na comuna da Catumbela. O monstro terá usado uma catana para silenciar de vez a sua parceira, na casa dos 40 anos de idade, mãe de quatro filhos, sabe-se lá por que impulso. A Salomé é o mais recente rosto da estatística da barbárie que se esconde no silêncio de mulher adulta, a violência doméstica, com a dona de casa rebaixando-se ao extremo para manter as aparências e assim não destoar a expectativa social, por ser aquela a quem recairiam imediatamente as culpas do lar que não der certo. Conheço a família dela, com a qual aliás chegamos a ter algum vínculo de afinidade por conta da vizinhança e da amizade entre um tio nosso (Henrique Avindo Manuel, já falecido) e um tio dela (Isaías Kanguinha), na parte suburbana do bairro da Santa Cruz (Kambanjo), no município do Lobito. Dona de uma beleza invejável e de fácil socialização, Salomé é da geração nascida antes de 1975 e em certa medida marcou a nossa infância e adolescência como sendo uma das beldades mais cobiçadas pelos kotas do bairro, elegância presente até no andar e que sobrevivia à erosão do tempo. E há um quê de ironia no simbolismo das coisas. Criada no Bairro Santa Cruz (não sei se ali nascida ou se no Bongo, Huambo) e depois de alguma experiência na capital do país onde tentou a subsistência, escolheria o bairro do Lwongo (dorso ou coluna vertebral, em Umbundu, um bairro entretanto mais lembrado por acolher o maior cemitério de Lobito e Catumbela). Vão nos próximos dias a enterrar os seus restos mortais marcados por golpes de arma branca. O que sobra é uma indignação fortíssima e aquelas perguntas da família em busca de um porquê da tragédia, porquês entretanto condenados à condição de questões de retórica, não havendo nada que justifique uma morte tão cobarde. Um adeus até sempre, mana Salomé, do teu menino do bairro ali perto da kapira, aquele do tio comissário, o Dany.

http://angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | 18.03. 2018
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sábado, 17 de março de 2018

Crónica | A boa música ao vivo para o vazio

Quem em Benguela vai ao Restaurante Benamor às noites de sexta-feira vê um cenário do tipo Titanic, aquele retrato do início de naufrágio, cada conviva tentando saltar para o lado mas, ainda assim, a banda seguir tocando boa música. Talvez para uma plateia já só existente na imaginação de militantes culturais das almas que constituem a própria banda.

Há dois talentos que se revezam, o Beto Chopi e o Syrimus Mulaja ou Sirymus MJ. Não são propriamente uma banda. Chopi, músico típico de bar, versátil e dono de uma voz pujante, tanto passeia pelo cancioneiro clássico angolano, como leva a plateia a viajar por lugares latinos diversos da América e Europa. Já Mulaja é um compositor que interpreta temas de sua autoria, aos quais empresta um toque experimental, entre a trova, o kilapanga e o jazz.

O grande receio é que em breve a situação se torne insustentável de vez e os músicos sejam convidados a cancelar as actuações. Os ventos não são favoráveis para quem navega no sector da restauração, sobretudo depois que se instalou a crise económica e financeira que inviabilizou a materialização de grandes investimentos e em consequência afugentou a comunidade de expatriados, maioritariamente portugueses do sector da construção.

O Benamor é dos que mais se identificam com motivos de arte na sua decoração, dando a apreciar (a par da música) obras de pintura e escultura. No outro dia, já passavam das 22 horas, cenário montado, mas o bom da música acústica ao vivo nunca mais iniciava. A justificação oficiosa era de gelar qualquer um que fosse sensível à arte. A sala estava vazia, e nestes casos a gerência não consegue pagar o homem do violão e voz da noite. Agrava a situação o facto de não ser uma cultura do lado de cá deixar aquela gorjeta que lá fora vemos no chapéu do artista.

Estou em crer que não foi aquela uma primeira vez, provavelmente está-se longe de vir a ser a última. No plano ideal, as pessoas deviam frequentar mais o Restaurante Benamor; para isso, o funcionário comum devia ter a situação económica confortável. Ainda no plano ideal, a manifestação cultural devia ter uma presença mais e mais transversal nas instituições e convívios sociais.

Calha de vez em quando o irónico de haver uma enchente, mas são jovens que, de ouvido pouco educado para música consistente, preferem a esplanada onde se deleitam ao som oco da percussão electrizante que atende pelo cliché de música urbana, servida de suas próprias viaturas em decibéis excessivos que a unidade de potência adaptada prevê, regada com cerveja e fino. Ao mesmo tempo, lá dentro, a boa música ao vivo para o vazio.

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Em linhas tortas (36)

Sou suspeito em tecer elogios, uma vez que em tempos lhes submeti um livro de contos para ser editado, que entretanto não avançou por eu não levar muito jeito nesta coisa de angariar patrocínios. Mas nada impede Sua Excelência Eu, até por imperativos de consciência, de atribuir o mérito a quem assim justifica. A Editora Acácias, do Movimento Lev'arte, com sede em Luanda, é nova no mercado (não vou entrar no mérito do custo/qualidade das obras) mas já mostrou que é possível, ao contrário do que se tem assistido, distribuir livros em todo o país, e que afinal é possível dar visibilidade ao livro depois da sessão de lançamento e autógrafos. É claro que não bastará apresentar capas lindas, design cativante e convencer pela acutilância na divulgação por meio das redes sociais e da comunicação social convencional. Há a componente da revisão, que joga um papel importante na credibilização de todo um trabalho de equipa. Vi em uma ou outra obra sob a chancela da Acácias gralhas que revelam uma certa negligência, ainda mais porque presentes, as gralhas, na contracapa, no espaço da biografia do autor e não só. É a pequena nódoa (superável) no promissor pano. Mas está feito o mais difícil na história. A continuar assim, é de se dizer que o projecto de Kardo Bestilo, gerido por Kiocamba Cassua Cassua, introduz um marco revolucionário no sector livreiro, precisamente por se propor a contornar o maior entrave da literatura em Angola, aquele que se prende com a distribuição e circulação do livro. Neste momento, a Editora Acácias é a única marca angolana do ramo que compete com o gigante e papão português Grupo Leya, que em Angola dá o rosto através da Texto Editores. Ainda era só isso. Obrigado.
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sexta-feira, 16 de março de 2018

Em linhas tortas (35)

Ainda na senda do que está a bater, não percam em breve a palestra que vai mudar as vossas vidas. Tema: "COMO FICAR BLOQUEADO EM CASA PELA CHUVA". É a grande oportunidade de saber o que é a chuva e de onde ela vem. O orador? Sua excelência eu, ora essa! É um especialista sem formação no ramo, mas isto também é apenas um detalhe irrelevante. Promete partilhar muito excesso de auto-confiança, curiosidade e senso-comum. Haverá cobertura online de um canal ainda por inventar, assim como a garantia fotográfica da marca "Photoshop é tudo". Inscrições abertas em Libras. É um bom investimento, porque a sua vida, depois da palestra, não voltará a ser a mesma, até porque estar numa sala sentadinho a ouvir um famoso falar e falar é correr atrás do conhecimento profundo, supera leituras e cursos mais sistematizados. Ainda era só isso, Obrigado hahahah | www.angodebates.blogspot.com
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Citação

"Alguns vencem pelos seus crimes, outros são derrotados pelas suas virtudes". 
(William Shakespeare, escritor inglês)
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quarta-feira, 14 de março de 2018

Em linhas tortas (34)

Em nome da honestidade intelectual, depois de recentemente ter questionado se a gerência do restaurante Alfa, Lobito, chegou a repor as árvores por si derrubadas em obediência à multa imposta pela Administração Municipal... passamos apenas para dizer que sim, que há sinais de replantação nos exactos lugares das frondosas falecidas. Sua excelência eu não pode, ainda assim, deixar de lamentar a falta que a sombra faz no parque de estacionamento das viaturas. Não sendo propriamente a replantação um caso de elogiar, fica da nossa parte um "nunca mais tornem". Ainda era só isso. Obrigado | Daniel Gociante Patissa | www.angodebates.blogspot.com
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Diário | Ele também não acabou agora de ser povo?

“Senhor Investigador, temos que mudar. O país não pode ser assim, que até um simples soltar de gases, é prender o cidadão!”
“MAS ASSIM ESTÁS MESMO A FALAR OU A BRINCAR?! FILHA DA… PA! ENTÃO VOCÊ COMETE CRIME, E TEM A OUSADIA DE TRAZER LIÇÕES?!”
“Crime, eu?! É por isso que dizem que não se pode agradar a gregos e a italianos…”
“É A GREGOS E A TROIANOS, NÃO É A ITALILANOS, PÁ!”
“Estás a ver? Se agradar angolanos já é o que estamos a ver, né? Senhor investigador, você está bem, tem o seu emprego no Estado, até já pode comprar a urna para o quando chegar a data da morte. Nós, no privado, não temos estabilidade nenhuma…”
“ASSIM O CULPADO SOU EU?! MAS ESSE TEU NEGÓCIO FUSCO É COMO?”
“Senhor investigador, em resposta ao apelo de diversificar a economia, eu fui ao BUE, né?, o Balcão Único do Empreendedor, com o fito de legalizar a minha empresa… ‘MIA LÁ, LIMITADA’. Entreguei mesmo bem a papelada, mandaram aguardar. Nem fiz 20 minutos, só vi já – wéon, wéon, carro patrulheiro. Ah, o camarada está detido, atentou contra a Segurança do Estado… Até agora, não entendi lá nada…”
“MAS TEMOS AQUI DENÚNCIA DE TENTATIVA DE BURLA… “
 “Burla mais como?! O pobre não pode empreender para subir na vida, é logo detido?!”
“VOCÊ SE FEZ PASSAR POR PARENTE E SÓCIO DO GENERAL MIALA…”
“Eu?! O problema é que o chefe está a me ouvir para responder, não para perceber…”
“FICA CALMO, RAPAZ!!! SE TE ESTICAS MUITO, VAMOS-TE TOMAR MEDIDAS… CONTINUANDO, A SEGUNDA ACUSAÇÃO, SUBORDINADA À PRIMEIRA, UMA VEZ COMPULSADO O SEU PLANO DE NEGÓCIOS, INDICA PUBLICIDADE ENGANOSA. O SENHOR PROMETE ERRADICAR DE UMA VEZ POR TODAS O PROBLEMA DO CORNO EM ANGOLA. ISSO TEM LÓGICA?!”
“Lógica pode não ter, mas tem mercado. Chefe, é assim. Eu sou garçom, estás a ver? E lá no bar, todos os dias aparece alguém a desabafar. Ah, acho que há homens no chat da minha mulher, mas não tenho como tocar no telefone dela. Ah, o meu filho fala muito rápido, mas na minha família somos todos pausados, então acho que pode ter outro pai. Ah, dizem que sou corno, mas como nunca apanhei, assim faço como?”
“E O QUE É QUE ISSO TEM A VER COM O GENERAL, Ó MALANDRO?!”
“Aí eu vi, bingo! Acendeu a luz do negócio. Aí eu disse, meus irmãos, a solução está quase. Super Miala já voltou. Corno inocente, daqui em diante, só para quem quiser…”
“MAS O GENERAL LÁ IA FAZER HORAS EXTRAS A APANHAR CORNOS?”
“Isso já está na segunda etapa do cronograma, se vocês não estragassem o negócio…
“E O GATO AMPUTADO NO LOGO? A CABEÇA, DUAS PATAS E O LOMBO?”
“Não é bem amputado, senhor investigador. É recortado. É questão de semiótica. Se o gato tem sete vidas, metade disso dá três e metade, né? O homem sobreviveu na guerra, naquele litígio e tem um terceiro teste e meio agora na transição, não é isso?…”
“VOCÊS TÊEM ATREVIMENTO, YA?! Ó RAPAZ, SE OLHASTE MESMO BEM E CONCLUISTE QUE MERECES UMA AUDIÊNCIA DELE?
“Mas fomos colegas no deserto, chefe. Ele também não acabou agora de ser povo?”
 www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Catumbela, 14.03.2018
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terça-feira, 13 de março de 2018

Citação

"Parece-me que o Brasil é mais sério em questão de prémios. Preocupam-se devidamente nas questões literárias. Ao contrário de um outro país [em] que ser bom escritor é quem escreve contra o governo angolano." (John Bella, escritor angolano, in Facebook. 13.03.2018)
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Alçado posterior da água

E começou
gota atrás da outra
chover
no tecto solteiro a orquestra
o asfalto a renascer
na sanzala porém é reza
para o tecto não ceder
___________
(*) Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014. NósSomos. Vila Nova de Cerveira, Portugal
(**) Idem, in «Almas de Porcelana», 2016, pág. 84. Editora Penalux. São Paulo. Brasil
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segunda-feira, 12 de março de 2018

Em linhas tortas (33)

Em sociedades picuinhas como a nossa, hoje em dia constitui já um risco a cortesia de dar os parabéns ao recém-nomeado para um determinado cargo, sem que o gesto seja visto como indirecta ao cessante. Ainda assim, parabéns ao jornalista Santos Júnior, o novo Director da Rádio Lobito, que substitui no cargo o veterano jornalista Ribeiro dos Santos Tadeu ao cabo de duas décadas à frente da estação do grupo Rádio Nacional de Angola. É mais um benguelense na estrutura directiva do órgão, o que vai certamente "ferir" algum orgulho lobitanga, já depois de ter ascendido a um posto de gestão o jovem jornalista Edson Santos. Como diria o outro, "no Lobito estão a mandar os de Benguela". Seja como for, que a nova era traga êxitos e vingue. Ainda era só isso. Obrigado.
Gociante Patissa | Catumbela, 12.03.2018 |http://angodebates.blogspot.com/
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domingo, 11 de março de 2018

Crónica | Eu é que não quis ser rico

Engana-se quem pensar que a aprendizagem de um ofício se faz o tempo todo por meio do manuseio das ferramentas e materiais próprios do ramo. 

Logo no primeiro mês, eu já era o moço de comprar aguardente artesanal e peixe sardinha frito, mais a respectiva salada. Tinha 14 anos e precisava desesperadamente da ninharia prometida para custear a escola na sétima classe. Também já fui de levar fuba de milho, hortaliças e peixe seco à casa do mestre à cabeça e lá posto não escapar aos maus humores escravocratas da patroa. Nem só já responder ao meu boa-tarde ou então ajudar a descarregar o fardo. Enfim...

Consoante me fosse aumentando o peso do corpo, recebia a promoção de arrastar o mestre para dentro da Foto, não fosse o bairro todo vê-lo em estado de coma, à mercê das moscas, vómito e com o rio de amoníaco correndo a caminho do joelho. A esposa, num dos assomos de dominação, quase me puxava as orelhas perante a determinação de não dormir na empresa, de atalaia, numa das noites de apagão etílico. E se o meu marido alguém lhe levar à noite? Queres-me ver viúva, né? Fui suportando, afinal queria ser fotógrafo.

Ah, também fazia recados para as amantes do mestre, que muito adoravam a câmara escura, sabe-se lá para quê, já que não faziam a mínima ideia da função do ampliador, revelador, do fixador ou da cor encarnada por mera questão técnica e longe de vocação romântica alguma, não é? Ah, e as petas eram comigo na falta de material, altura em que disparávamos num vazio auxiliado pelo flash para afastar a impressão de encenação. No dia seguinte, olha que pena!, o rolo das suas fotos queimou, vai ter de repetir. Impensável era dispensar o dinheiro do cliente... só porque não houvesse rolos/filmes no mercado.

Certa vez, já atolado em dívidas e ao mesmo tempo avesso a cobranças boçais à porta do estabelecimento, o mestre, de um perfil fino, mandara dizer que não estava presente. Foi exactamente o que fiz com todos os que o procurassem, mas a disciplina quase me custou o emprego na semana seguinte. Um dos clientes a quem omiti a presença do chefe, que entretanto não quis deixar recado, tinha afinal um evento urgente para reportagem fotográfica, e o bom do dinheiro que acabou massajando as mãos da concorrência.

Estas linhas surgem a propósito de uma outra faceta da experiência, a da socialização como figurante em ambiências do mestre no bairro da Santa Cruz, cidade do Lobito, onde ficava a sede da Foto Kodak. As conversas de copo eram deliciosas, algumas premonitórias mesmo.

Entre 1993 e 1995, escombros seria a palavra mais certa para descrever o quadro socioeconómico do país e o psicossocial de cada residente. O conflito pós-eleitoral introduzira um saque aos armazéns e lojas bem ao género faroeste. A ONU era o verdadeiro governo, tal era a crise humanitária. É neste quadro que certo conviva segura pelo ombro o mestre e arranca com profunda melancolia um trecho laminar: "Meu camarada, eu é que não quis ser rico..." Abandonei a barraca para me rir às escondidas de uma tal anedota, vinda de um não branco. Como assim, "eu é que não quis ser rico?!"

Vim a indagar sobre o sujeito que nos impingia que o fim pobre que vivia era opção. Na minha cabeça de sonhador, não me via rejeitar heranças. Soube que o senhor fora por muito tempo Diretor Geral de uma relevante UEE, as então Unidades Económicas Estatais, interligando o sector industrial e o Porto do Lobito. Será que devo desculpas ao ex-gestor?

Gociante Patissa, Benguela, 11 Março 2018 | http://angodebates.blogspot.com/
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A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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