terça-feira, 31 de março de 2015

Citação

"Quando terminei no IMEL o curso de jornalismo, já na hora de escolher o tipo de trabalho, tinha de optar, ou fazer [editoria de] política, ou desporto. Sabes como é que é, né? E como também tinha queda para o desporto, pronto, fui pedir estágio num órgão virado para o jornalismo desportivo." (citando de memória um profissional angolano em entrevista recente a um programa televisivo. Nomes propositadamente omitidos)
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segunda-feira, 30 de março de 2015

Diário | Da sede do agente à sociologia na via

a bordo do "quadradinho", táxi mini-autocarro entre Benguela e Lobito, citando de memória)

Motorista (aprox. 30 anos):"Wei! Estás a ver aquele wi? Tem banco de quatro!"

Cobrador (aprox. 25): "Esse madiê que nos cruzamos agora?"

Motorista: "Ya. O wi está numa. Vamos passar lá no mestre para adaptar o nosso mambo também."

Cobrador: "Mas o wi bumba mesmo bem o salo?"

Motorista: "Ya. Quatro páx cada mambo, um gajo fecha mesmo bem. Agora, só três é malaike."

Passageira (terceiro banco, aprox. 30 anos, apaixonada pela sua própria voz): "Isso então tá errado, oh gerente. Num está ver mesmo como vamos apertados? Ainda querem mais apertar?"

Motorista: "Minha mamoite, esse um passageiro a mais em cada banco então que nós vamos ir aumentar é já a contar com a água do polícia. Porque, estás a ver, o agente, na via e com sol, também tem sede."

Passageira: "E vocês para sensibilizar o polícia vão fazer sofrer os passageiros, uns se empurram com outros? A pessoa chega em casa a cheirar cheiro do outro. A pessoa paga, mas anda a sofrer, ainda qualquer dia apanha só doença. Com essas chuvas que andam aí."

Motorista: "Ya, morrer agora está fácil. Muita SIDA, marburg, cólera, muita ébola, né? Mas essas aqui não chegam mais. Deus mesmo também já sabe que morremos muito na guerra. Até não sei se um país do mundo viu o que nós vimos. Só que doença não se apanha só no Táxi."

Passageira: "Eu sei. Mas vocês não podem apertar as pessoas tipo animais."

Motorista: "Mamoite, aqui no táxi somos família. Nós, assim, que batalhamos na vida, temos que ser mais unidos. Senão, ainda vais receber feitiço para ficar rica hahaha. Você não pode ter estranho. Então se o teu marido tem SIDA, você vai-lhe fugir?"

Passageira: "Não, não vou-lhe fugir. Isso não! Também já não recebo feitiço, o único feitiço é o meu Deus. A bíblia já disse ame o teu irmão, na saúde ou na doença. Só que, se a polícia já falou que é três passageiros num banco, como é que vais dizer mais que vais no mestre adaptar para levar quatro?"

Motorista: "Mas, é assim, minha mana. Estou mesmo a gostar do que estás a falar, até estás abençoar a viagem. Mas não vai mudar nada."

Passageira: "E agora se você se encontrar com um polícia que não recebe corrupção e já lotaste demais? Vais comer uma multa e te estraga o dia."

Motorista: "Te duvido, minha mana! Na via é preciso saber. O próprio agente mesmo já vai entender que, para garantir a parte dele, também não vou mais retirar da conta diária do patrão. Não é isso, wi?"

Cobrador: "É isso, papoite."

Recolha de Gociante Patissa, 30.03.2015

PS: Depois de ler, pode ajudar a resumir para os nossos amigos que não dominem o calão nem as figurações do contexto.
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Quote/Citação

QUOTE: "If a writer falls in love with you, you can never die" (attributed Mik Everett, reportedly who first published the quote back in 2011 on her blog)
CITAÇÃO: “Se um/a escritor/a se apaixona por ti, tu jamais morrerás” (tradução livre a frase atribuída a Mik Everett, que se acredita ter sido a primeira a publicá-la através do seu blog em 2011)
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domingo, 29 de março de 2015

A ênfase

o modelo é o professor Francisco Soares, Benguela, 25.03.15, sala de reuniões do "Cabo Submarino", Benguela
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sábado, 28 de março de 2015

Incêndio "mata" edifício histórico em Benguela

A primeira foto ilustra o que sobrou, se é que assim se pode dizer, do edifício denominado "Cabo Submarino", um património histórico situado na cidade de Benguela, aonde até agora funcionavam as direcções provinciais da Cultura e do Ministério da Família e Promoção da Mulher. As causas da tragédia que ocorreu ma manhã de hoje estão por apurar, mas o curto-circuito é para já a suspeita mais próxima. O que de qualquer dos modos está à vista é que tudo o que no interior se encontrava converteu-se em cinzas, sejam documentos, sejam recursos. Há movimento interno no sentido de construir uma réplica. Há vontade política também, é o que apurei de fonte do topo na governação provincial e já confirmado pelo Director da Cultura, Mário Kajibanga.
«Edifício da ex-Companhia do Cabo Submarino – este edifício de ferro e madeira chegou desmontado a Benguela, vindo da Inglaterra. No princípio do século XIX constituía a via privilegiada das telecomunicações, unindo Londres a Cape Town. Foi em 1889 que lançaram os cabos telegráficos pela costa ocidental africana. A West African Telegraph Company, na cidade do Cabo, ficou ligada ao Namibe, a Benguela e a Luanda. Quatro anos depois o cabo dava literalmente a volta ao mundo, revolucionando as comunicações. Mais tarde funcionou a Escola Alemã. É um Monumento Histórico Nacional, classificado.» (fonte: website "Destino Benguela")
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sexta-feira, 27 de março de 2015

Citação

"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem." (Bertolt Brecht, 1898-1956, foi um dramaturgo, romancista e poeta alemão)
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Ponto de situação| Dados oficiais das consequências das chuvas em Benguela nas últimas 48 horas

Até ao momento, são 12 mortos, sete desaparecidos e pouco mais de uma centena de famílias desalojadas. Os bairros mais afectados são aqueles localizados próximo do rio Cavaco, que viria a transbordar, agravada a situação com o rompimento de um dos diques. 
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quinta-feira, 26 de março de 2015

Diário | Falem com ela

Por favor, falem com esta chuva. Todos os modos são poucos, pois ela é surda. míope. Eu até gosto de a ouvir no tecto, por me transportar às felizes memórias da minha rural infância. Mas bem diz a sabedoria popular que "quem muito aparece aborrece". Ó chuva, silêncio, que eu quero viajar para o sono.
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quarta-feira, 25 de março de 2015

Diário | Ainda o infrutífero combate à poluição sonora nos transportes públicos

Pára o táxi, os habituais mini-autocarros azúis-e-brancos da marca Toyota e que atendem pela alcunha de quadradinhos. 07h30 da manhã, o cidadão vai mesmo à tangente no horário para o serviço.
"Quanto é?"
"Cento e cinquenta."

O carro arranca da paragem da Lupral, para de seguida frear, antes mesmo de atingir a terceira velocidade. Dois jovens estudantes juntam-se à corrida. Devem andar pelos 22 anos, se tanto, a considerada geração de futuros quadros da nova Angola. O destino é a universidade Jean Piaget, anunciam eles como forma de ver reduzida a cobrança para 2/3 udo valor. O cobrador condescende tacitamente ao abrir a porta traseira. Eles acomodam-se, talvez apressados demais para um breve "bom dia." Nada a discutir, pois, está visto, o estudo a níveis avançados tem destas coisas de dispensar lógicas e praxes aparentemente pequenas. E, se o leitor quiser olhar de maneira mais generalizada, verá que é graças a muito estudo que os engenheiros, fiscais de obra e demais chegam à dispensar a existência de drenos para escoar as águas, preocupação que é demasiado básica para o nível universitário. Continuando com os dois estudantes. Traziam os auscultadores calçados, ao volume acima do máximo, com a indigesta generosidade de colocar os demais a ouvirem a música do motorista e a dos jovens. Seria tolerável. Seria. Acontece que os jovens não se contentavam em só ouvir, libertavam-se em playback (devidamente desafinados, diga-se). De repente, temos três fontes de som. O cidadão vira-se para o jovem  que cantava uma música romântica brasileira, sentado atrás de si, para o interromper:
"Estás a cantar muito alto."

O jovem, muito provavelmente surpreso por tal interferência, só franziu a testa em reacção e mais não cantou. O protesto veio do seu companheiro, que também cantava uma outra música:
"Mas o outro só está a se divertir."
E continuou a cantar, embora reduzindo o volume das suas cordas vocais, até chegar ao seu destino.

Os demais passageiros, como é normal, permaneceram indiferentes. Podiam muito bem sair em defesa dos barulhentos, legitimado que cada vez mais está isso de abusarmos da nossa liberdade para alienar a de outrem.

Gociante Patissa, aeroporto da Katombela, 25.03.15
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segunda-feira, 23 de março de 2015

Diário | O indigesto "melhor jornalismo de ANGOLA"

Noite de domingo, 22 de Março. O telejornal já leva mais de 45 minutos queimados numa cadência monocórdica. O assunto é ainda a tragédia das chuvas do Lobito que, nunca é demais lembrar, causou acima de 70 mortes e uma centena de residências destruídas, o que inevitavelmente criou um contexto de emergência e assistencialismo. Volvidos 11 dias sobre a trágica noite, o assunto continua actual, considerando que a dor persiste e os produtos doados, fala-se em mais de 10 mil toneladas, atravessam ainda a dificuldade mais determinante, que é a distribuição. A experiência angolana em matérias de ajuda humanitária ensina que a existência de bens de primeira necessidade em si não resolve, se não houver uma sistematização das várias fontes de recolha. Neste aspecto, o jornalismo tem também a missão de exercer monitoria para a transparência que a moral social exige, não fosse o recolhido algo que nasceu da boa vontade dos cidadãos. E é ali que, a meu ver, a TPA, que neste caso se assume como a maior máquina de mobilização nacional pela solidariedade, cometeu uma clamorosa falha de escolha quanto ao que seria o valor da notícia ou, se quisermos, o ângulo de abordagem. A TPA preferiu ficar-se por um jornalismo virado para a promoção de vantagens, o que, como é de prever, é um exercício repetitivo. Como resultado, falaram todos, os empresários, os políticos, os líderes associativos, os jornalistas da estação, estação esta que não coibiu as suas estrelas de aparecerem em poses de "selfies" com as fãs, e até em diferentes mudas de vestuário. Só não falaram os sinistrados. Quais são as suas dificuldades nesta fase de adaptação, considerando que as famílias foram assentadas em tendas numa zona até então virgem? Está certo que nos foi dado a ver o intenso trabalho das autoridades no que concerne à criação de condições para acesso à água potável e energia eléctrica. Mas há coisas que só mesmo quem as vive tem legitimidade para as retratar. É esse espaço que tem de ser dado ao cidadão comum, o que se calhar traria mais audiência do que investir no carisma do nosso Ernesto Bartolomeu, que ora entrava como repórter, ora como interlocutor, enfim. Excelências, como será que tem sido tratada a questão da escolaridade das crianças de famílias afectadas? Quando precisarem de se deslocar ao centro da cidade, como é que se safam? Haverá linhas de táxis? O que é que consideram prioritário em termos de bens? É verdade que há quem resista à ideia de ir para as tendas do Kamulingui, por ser distante dos mercados e do aparelho administrativo? Neste caso, o que será que defendem tais cidadãos como sendo a alternativa? Definitivamente, um jornalismo que se procure especializar em vender vantagens obtém o inverso do que procura, arrisca-se ao descrédito. Há que rever as estratégias. E como a nossa é a sociedade das retaliações, vou de peito aberto para as consequências que deste apontamento advierem. E como vale lembrar o slogan, "O melhor jornalismo de Angola está aqui na TPA."

Gociante Patissa, Benguela, 23.03.15
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domingo, 22 de março de 2015

Convite | Palestra em Benguela sobre «A fronteira entre a história e a literatura»

A União Dos Escritores Angolanos angolanos realiza mais uma sessão de reflexão do seu programa denominado «Maka à 4.ª Feira», desta vez no dia 25 de Março pelas 18h00, a ter lugar no quintalão da Direcção Provincial da Cultura, que co-organiza o evento, tendo como orador o académico Dr.Francisco Soares. As entradas são livres e o convite está lançado aos fazedores de artes, estudantes, professores e demais interessados. Queiram passar a palavra.
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sábado, 21 de março de 2015

Diário | Cidadania namibiana e a lógica do segundo excluído

Fiquei a saber no telejornal de hoje pela boca do ministro angolano das Relações Exteriores, Georges Tchicoty, que a República da Namíbia (a nossa vizinha do sudoeste de África que empossou hoje o terceiro presidente dos seus 25 anos de independência), por força das suas leis, não permite dupla nacionalidade. E os angolanos que lá optarem por continuar a residir têm que optar por uma só cidadania: ou se assumem como angolanos, ou como namibianos. No dizer do ministro angolano, este é um dos aspectos que tornam complexa a questão do registo de angolanos que por causa da guerra estão lá há relativamente muitos anos, sobretudo para os que lá nascem. Neste aspecto, os nossos irmãos namibianos são irredutíveis, não permitindo "dois chapéus em uma só cabeça", como diz (meio sério, meio a brincar) um amigo namibiano a quem "chateei" a propósito. Seria interessante ouvir os argumentos de razão do legislador, que parecem ser do tipo "monogâmico", um coração, uma pátria.
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segunda-feira, 16 de março de 2015

Diário | Um tempinho virtual para os "novos" amigos?

Em função dos pedidos (mais ou menos frequentes e convergentes) de novos amigos cá no Facebook, por via de regra jovens que gostariam de me conhecer e/ou reencontrar, na esperança de obter conselhos e avaliação de seus escritos (futuros livros), gostaria de deixar o meu público pedido de desculpas por não me ser possível organizar uma espécie de agenda que concilie o trabalho, a família e o meu próprio exercício de leitura e escrita. Muito mais complexo ainda fica porque a natureza do meu emprego "não tem" fim-de-semana nem feriado. Assim, como alternativa, deixo o meu e-email para quem se sentir à vontade em me apresentar virtualmente o que gostaria de levar ao (por enquanto impossível) encontro pessoal comigo. Na verdade, eu prefiro mil vezes ler papel, físico, a ler na tela, o digital, mas (por razões de ordem moral em prestar uma colaboração especial que me foi solicitada por um certo passarinho ao pé da orelha) abro esta excepção. Mas só até ao dia 30 de Março. O tempinho virtual que por enquanto me resta para o encontro com os "novos" amigos e/ou emitir parecer com base na minha sensibilidade (porque não sou crítico literário) é o meu e-mail: patissagociante@yahoo.com 
Obrigado
Gociante Patissa, Benguela, 16.03.15
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domingo, 15 de março de 2015

Diário | Lobito ao 4.º dia e o debate metodológico que tarda

Fotos a circular as redes sociais, de Edyano Dias
Os acontecimentos no Lobito têm mobilizado o país inteiro "e arredores". O contrário não seria de esperar. A solidariedade de todos os cantos é reconfortante.

Eu morei dos 9 aos 30 anos de idade no bairro Santa Cruz, o mais assolado, onde se encontram a residir irmãos meus. E apesar de não terem sido directamente afectados, ainda não tive suficiente força anímica de visitar a zona do Akongo, do histórico estádio do Buraco, do clube Académica do Lobito, vizinho do Bairro da Luz. Não costumo ser bom em conter lágrimas, eu bem sei, pelo que outras vias terei para dar o meu calor.

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sábado, 14 de março de 2015

Tribunal condena grupo de RAP por difamação e injúria

Texto e foto da Angop
O tribunal provincial do Kwanza-Norte condenou, no dia 14/03, um grupo músicos do estilo "RAP", a dois meses de prisão correcional por terem publicado música com conteúdo ofensivo e atentatório à moral pública.

Segundo o acórdão do tribunal lido no momento da audiência, o grupo é acusado de crime de difamação e injúria mediante produção de uma música com conteúdo ofensivo e difamatório contra uma cidadã, cujo nome foi ocultado por questões morais.

Ainda segundo dados do tribunal, o grupo de RAP integrado pelos cidadãos, Arménio Veiga, Vasco Veiga, Mauro Veiga e Abílio Monteiro é acusado de publicitar uma música gravada em CD abarcando injúrias que provocaram grave desconforto psicológico à vítima, atitude que se traduz em crimes de difamação e injúria previstos e puníveis à luz dos artigos 407 e 410 do Código Penal angolano.

Pelos crimes praticados, a juíza da causa Cecília Caetano optou por aplicar o cúmulo jurídico e condenar os reús na pena única de dois meses e 15 dias, bem como no pagamento de 30 mil kwanzas de taxa de justiça e 200 mil kwanzas de indeminização à lesada como medida de reparação dos danos morais.

A magistrada manifestou-se preocupada com o comportamento de alguns cidadãos, sobretudo jovens, que fazendo uso das redes sociais ou outros meios electrónicos insistem em atentar contra a moral, uma atitude  passível de responsabilidade civil e criminal, à luz do ordenamento jurídico angolano.

Disse ser ainda preocupante o facto de os jovens envolvidos serem pessoas esclarecidas e estudantes universitários que confundem a arte com o desrespeito à privacidade e direito de terceiros.
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Publicado livro de reflexão sobre as línguas nacionais

Texto e foto de Jornal de Angola, 14.03.15
“Estão as línguas nacionais em perigo?” é o título do livro de cariz académica de autoria dos escritores José Pedro (angolano), Bento Sitoe (moçambicano) e Cristina Severo (brasileira) lançado na Biblioteca Nacional, em Luanda.

Em declarações à imprensa, à margem do lançamento da obra, o secretário de Estado da Cultura, Cornélio Caley, afirmou que é um livro importante para despertar a sociedade sobre a necessidade de dar mais atenção às línguas maternas.

Um dos autores da obra, José Pedro, disse que o livro é uma reflexão em torno da situação actual das línguas em cada país, sendo que cada um dos participantes descreve a situação linguística de cada território e as suas experiências.

O também director-geral do Instituto de Línguas Nacionais disse que na realidade de Angola, as línguas nacionais não correm qualquer perigo, na medida em que a Constituição da República salvaguarda, valoriza e dignifica as línguas angolanas. “Uma língua só deixa de existir quando desaparecem os seus falantes”, afirmou.

O escritor moçambicano garantiu que situação idêntica se regista no seu país, tendo em conta que há um movimento em direcção à valorização das línguas nacionais.

“Os riscos que elas correm não são de extinção, mas sim de permanecerem numa situação subalterna, se nós não tivermos o cuidado de criar condições de as  manter desenvolvidas”, afirmou Bento Sitoe.
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«Epese ha lyo ko, tutukula ño olofa»

«Epese ha lyo ko, tutukula ño olofa.» - Já nem adianta falar dos prejuízos, basta citar as mortes (Viñi-Viñi, trecho na língua Umbundu da música dolente A Morte de Um Herói, 1985)

Salvaguardada a diferença referente aos contextos, o trecho ora citado encaixa-se muito bem para ilustrar o quadro das cheias do Lobito. «Epese ha lyo ko, tutukula ño olofa.» - Já nem adianta falar dos bens perdidos, basta lamentar as mortes.

E para citar ainda outro trecho da mesma canção, «Já não consigo falar / já não consigo falar.»
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sexta-feira, 13 de março de 2015

Luanda viveu o segundo festival de poesia

Agendado para os dias 19, 20 e 21, o Festival de Poesia de Luanda (Fespol) tem como lema "Poesia – A Arte que Comanda a Vida” e inscreve no seu programa várias actividades, tais como recitais de poesia, debates sobre temática literária e social, seminário de escrita literária, exposição fotográfica, concertos musicais, teatro do poema e projecção de filmes biográficos de escritores. 

A jornada, que se pretende de acesso livre, decorrerá em simultâneo nos seguintes locais: Mediateca de Luanda (acto central) e em simultâneo na União dos Escritores Angolanos, no Instituto Médio de Economia de Luanda, e no Auditório Pepetela – Centro Cultural Português, com actividades temáticas.

Visando a promoção do intercâmbio cultural, o primeiro Fespol aconteceu em Março de 2014. Na presente edição, o Movimento Lev'Arte conta com a parceria da Mediateca de Luanda, distintos movimentos associativos culturais de Angola, pareceria da Alliance Française de Luanda, do Centro Cultural Português, Casa de Cultura Brasil- Angola e da agência de Moda Hot Model´s.

Gociante Patissa, Benguela, 13.03.15
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quinta-feira, 12 de março de 2015

Citação

"Deus afinal está como, que até as pessoas que se encontram a vir da igreja para as suas casas morrem arrastadas pelas águas da chuva? Deus é contraditório." (Desabafo de uma cidadã que acaba de ouvir que o número de mortos no Lobito passou de 48 para mais de 60). Benguela, 12.03.15
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Crónica | DO LABORATÓRIO SOCIOLÓGICO CHAMADO TRANSPORTES PÚBLICOS

Os transportes colectivos são meios que remetem o cidadão à noção das suas limitações financeiras, pois ao contrário de outras sociedades onde servem para aumentar a qualidade de vida (menos combustão para a camada de ozono, menos gastos nos combustíveis para deslocações rotineiras), na nossa realidade o diferencial recai para a necessidade de conforto.

O clima é quente e húmido no litoral, para já não falar do previsível desnível no sentido de cidadania, já que não há como olhar para o perfil de quem vai na corrida, o que torna complexa a coabitação. Contam ainda os preocupantes índices de acidentes, onde o excesso de velocidade é muitas vezes chamado ao topo da estatística.

Felizmente, consegui adquirir em 2009 o meu primeiro carro, um toyota corola "rabo de pato" que já veio com mais de 200 mil km da Europa. Desde então passei a usar menos frequentemente os transportes colectivos. Vendi-o e tenho outro, o qual tive de encostar para o poupar do lamaçal na periferia.

Eis que noto o quanto desaprendi, fiquei parado no tempo. Os Hiaces do meu tempo de passageiro, os luxuosos comuters, já só servem para rotas muito curtas, abafados pelos "quadradinhos", que ganham no conforto, na velocidade e mais lugares. Houve um toque de modernidade, ar condicionado conforme quiser o dono.

Mesmo os passageiros, em termos comportamentais, exibem outros traços. Há um cada vez maior nível de tolerância ao volume da música (geralmente menor harmônica e maior percussão), cuspida por um rádio adaptado com amplificadores disponíveis em qualquer esquina. E como os equívocos humanos são, nota-se uma verdadeira inversão do princípio cidadão de se passar de objecto a sujeito.

Assim é que muitos clientes, acomodados nos apertos de um banco de mini-autocarro, tomam a liberdade de ouvir músicas dos seus telemóveis ao volume máximo que o fabricante permite, num inconfesso gesto de discordar dos gostos do motorista, o que não seria reprovável se usassem auscultadores. Não, não os usam, e os demais passageiros têm de suportar dois diferentes sons, o que é mais triste, sem emitirem qualquer protesto. É realmente isto que me custa aprender.

No outro dia, vi-me obrigado a interpelar um jovem entre Benguela e Lobito. "Meu mano, já imaginaste se eu e outros passageiros ligássemos as nossas músicas também? Seria uma confusão, não?" Sem emitir uma única palavra, cortou a música. Menos mal. Ontem fiz o mesmo entre Mutamba e Prenda, em Luanda, a uma moça, que acabou por cortar a música também. Em ambos os casos, havia muito mais gente, mas só eu protestei, os demais mantiveram-se indiferentes.

É intrigante isto de não incomodar que usemos da nossa liberdade para alienar a de outrem. Enfim, se calhar está na hora de garantir o meu lugar no beiral, devo estar velho sem dar por isso.

Gociante Patissa, Luanda, 12.03.15
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segunda-feira, 9 de março de 2015

Ensaio | TALVEZ UMA DISCUSSÃO À PARTE


(O presente artigo foi apresentado na conferência sobre «O Português e a Sua Origem Latina Como Língua de Universalidade, Versus as Línguas Naturais de Angola», organizada pela Casa de Angola em Lisboa, Portugal, a 03/12/14)

Inicio estas linhas sem saber, à partida, que género de texto adoptar. Ao contrário do que carinhosamente se espera, desta vez não trago à tertúlia nada assim de sistemático, tal é o momento de particular desmoralização, quer enquanto estudioso, quer enquanto patriota. O melhor talvez fosse nem sequer vir. Entretanto, fala mais alto o adágio Umbundu, minha língua materna, segundo o qual "Wakukavonga wakuvela uloño; nda ka kusapwila, okuliminlã". Traduzido, daria em qualquer coisa como «Quem te chama põe à prova a tua inteligência; ou algo tem a te informar, ou a te oferecer».

Falar do “Português e a sua Origem Latina como Língua de Universalidade, Versus as Línguas Naturais de Angola” é outra boa oportunidade para a partilha de saberes e pensares, mas, diante da tendência cada vez mais sólida, cá dentro, de subalternização das nossas línguas (africanas, Bantu e pré-Bantu), questiono-me se vale a pena investir no debate fora de portas em prol do respeito pela herança identitária, quando a caravana da discussão esbarra, cada vez mais afónica, na surdez institucional.

O paradoxo mais recente é apregoar a inserção das línguas nacionais no currículo de ensino e ao mesmo tempo investir formalmente na corrosão da memória colectiva com a imposição de um padrão de topónimos baseado em corruptelas.

Ao ler notícia sobre um esclarecimento do Exmo. senhor Ministro da Administração do Território (MAT), que na verdade só cuidou de reforçar a nova descoberta do seu pelouro que consiste em castrar as consoantes K, W e Y nos nomes das localidades (mesmo que de matriz africana não ocidental), desautorizando tudo o que de cultural é substracto, só podia eu estar ainda mais desmoralizado com a gestão institucional deste dossier que tanto denota falta de diálogo intersectorial, onde o Ministério da Cultura e o respectivo Instituto de Línguas Nacionais vêem as suas competências ultrapassadas pela direita.

Abro parêntesis para especular morfologicamente. Se fosse na língua Umbundu, o topónimo Kunene (de origem Bantu) seria a aglutinação do prefixo "Ku", que tem o papel de locativo (no, na), com o adjectivo "unene", que significa grande. Assim, arriscaria em dizer que a palavra Kunene (ku+ unene) tem o significado de "na parte maior; na grandeza", o que não sabemos ao certo se homenageia o território ou a bravura da sua gente. De qualquer modo, os falantes de Oshikwanyama têm a palavra. Este “Cunene” oficial não existe no imaginário do povo, não significa mesmo nada.

Por estas e por outras cá em Angola, é ainda comum o uso do termo dialecto para designar as línguas nacionais de origem africana, sejam elas de matriz Bantu ou pré-Bantu, remetendo-as implicitamente ao papel de subalternas da língua portuguesa. Por desconhecimento ou por preconceitos, é ponto assente que tal fenómeno é, mais do que problema linguístico, uma questão social e de políticas de Estado.

Se é inquestionável o avanço científico da língua portuguesa e todas as vantagens que ela representa, também não anda longe de dislate chamar as outras línguas (as da identidade cultural dos indígenas de então) – com estrutura própria, sublinhe-se – de dialectos. Seriam por acaso dialectos relativamente ao português, do qual não originam? Ora, como defende MCCLEARY, Leland[1] (2007: 11), “a sociolinguística não usa a palavra dialecto nesse sentido pejorativo. Para a sociolinguística, dialecto quer dizer, simplesmente, uma variação regional”.

Há quem se apegue ao pedantismo redutor de que em Angola só o português é língua nacional, no sentido restrito de idioma que se estende a todo o território. Isto é bem verdade, tal como não deixa de ser verdade que temos um país constituído por um conjunto de nações, o tal mosaico etno-linguístico, havendo pessoas que nascem, crescem, envelhecem e morrem sem lhes fazer a mínima falta a língua oficial.

Em meu entender, para um Estado que só existe desde 1975, e com tudo por fazer no campo sociolinguístico (pois a prioridade até 2002 foi, evidentemente, dada à busca da paz e estabilidade nacional), o mais sensato seria abraçar, estudar, classificar, normatizar. Faria sempre melhor justiça à história. Há que perceber que há uma dimensão de Angola que não cabe em documentos nem na “dicção padrão”.

O português vai bem e recomenda-se, mas também se arrisca a reaver a capa de língua infeliz, enquanto for medida latente para a opressão, ainda que disso não tenha culpa. A caminho de quatro décadas de independência em Angola, não faz muito sentido o recurso à reminiscência das sequelas da alienação colonial e da política do assimilado. A questão já não é o que fizeram de mal às nossas línguas; a questão é o que nós não estamos a fazer de bom a elas, no que nos bastaria imitar a Namíbia e Moçambique.

Gociante Patissa, Benguela, 29 de Novembro de 2014



[1] McCleary, L. (2007). Curso de Licenciatura em Letras-Libras. São Paulo, Brasil: USP.
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Citação

"Mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão / há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não." - Manuel Alegre (poeta português), do poema Trova do vento que passa
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Diário | Uma censura intramuros

Meu sobrinho de 3 anos: "Os cães, se ficarem na rua, vão-lhes roubar, vão-lhes violar..."
Eu: "Hum! Você fala à toa. Fala só daquilo que você entende."

É muita exposição mediática junta hahaha
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domingo, 8 de março de 2015

Dissidências no Movimento Lev'Arte | Ex-membros de direcção do núcleo de Benguela proclamam nova associação

O anúncio foi oficializado à saída de uma reunião de proclamação que teve lugar na Mediateca de Benguela, no dia 07 de Março. Ao fim de três anos de actuação entusiasta por Benguela, o Movimento Lev'Arte perde os mais influentes membros, que agora surgem com a  Associação Literária e Cultural de Angola (ALCA), apresentada como movimento literário.

A lista de dissidentes inclui nomes como Efraim Chinguto, Américo Chikete, Vilma Kapingala, Jorge Dudas, Valdemar Hossi, Alexandre Silivondela, só para citar estes. "Foi bom termos servido durante três anos todos e todas, sobretudo alguns. Agora, os esforços da Arte e Cultura serão redobrados com a ALCA", dizem. Na verdade, há muito que as coisas não iam bem entre a direcção central e o núcleo provincial. É certo que a distância entre Benguela e Luanda não costuma facilitar a comunicação nem a supervisão, nascendo nesta lacuna incompreensões e desvios ao perfil traçado.

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sábado, 7 de março de 2015

1-0

Fora de jogo mal assinalado e um cartão vermelho na sequência do protesto marcam pela negativa o trabalho do árbitro. A victória (1-0) do Kabuscorp, que devia ser atribuída à incompetência do ataque do D'Agosto, vai reforçar suspeitas de "resultados arranjados" no futebol angolano, no que a equipa do Palanca não tem fama de muito inocente.
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sexta-feira, 6 de março de 2015

Parada

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Citação

«Adoramos livros! Os editados por nós e muitos editados por outros. Vivemos nas nuvens, mas descemos à terra, de vez em quando, e editamos obras-primas. E também alguns disparates.» (Trecho da nota de auto-apresentação da Chiado Editora)
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Passatempo | À procura de kumbú mínimo para gastar na lua

Em época de crise, e aproximando-se alguns dias de férias, idealizei uma forma de rentabilizar o tempo e os olhos. Aqui vai: se você vive em Benguela, pratica escrita criativa (preferencialmente prosa) e tem possibilidade de imprimir, pode sempre dar-me os textos para ler e, se necessário, emitir opinião. Até que não cobro assim muito, basta um kwanza por página, é só para garantir assim pequenos vícios de dias de férias. Cumpra-se hahahaha
PS: não vou ensinar língua portuguesa, a ferramenta de trabalho, e reservo-me o direito de escolher o que e a quem ler hahaha
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quarta-feira, 4 de março de 2015

(do arquivo Do arquivo o poema que hoje parece "profecia") ISSO EU JÁ SEI

Isso eu já sei

Quando partirem
não os censurarei

Se me abandonassem
não os condenaria
nem que me viesse alguém atiçar o faria

Que não fui para os que me conheceram
exemplo consistente de companhia
ora isso eu já sei


Gociante Patissa, 2008. In «Consulado do Vazio» (KAT-Consultoria e empreendimentos, LDA, Benguela, Maio 2008)
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terça-feira, 3 de março de 2015

Diário| Atentado à saúde no peixe carapau, há gente a pescar em armazéns

A fazer fé na denúncia tornada pública esta manhã por um repórter da Rádio Benguela, a elevada procura pelo carapau fresco (entenda-se acabado de pescar no nosso mar) é oportunidade para cidadãos de má fé enganarem os consumidores. Os trapaceiros adquirem nos armazéns consideráveis quantidades de peixe congelado (importado), que são carregadas em canoas e demais embarcações de pesca, na orla marítima do Kawangu, a Norte da cidade, de onde partem para o mercado das Tombas, a Sul da cidade, onde desembarcam e simulam tratar-se de produto recém-capturado, para a inocência dos revendedores. Segundo algumas donas de casa abordadas pelo blog Angodebates, tem-se notado nos últimos dias que o peixe deteriora-se muito mais cedo do que seria normal, sobretudo o carapau e a sardinha. Então já sabe, quando pedir carapau, a única certeza que se tem é que foi pescado; agora, se pescado no mar ou no armazém, isto já é outra conversa. Até porque quem compra gato por lebre... por alguma semelhança foi induzido. Haja "chicote" no lombo de tais trapaceiros, ó camaradas da polícia econômica!
Gociante Patissa, Benguela 03.03.15
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Diário| O acervo museológico que (não) temos

Os poucos museus que temos e tantas vezes referenciados afinal não são minimamente representativos quando se fala de preservação da memória antropológica e etnográfica. Segundo o historiador Simão Souindoula, de cuja folha de serviço consta a coordenação do Projecto A Rota dos Escravos (da UNESCO), as peças que se encontram expostas são tão simplesmente aquilo que restou da iniciativa da antiga Companhia de Diamantes ao tempo colonial. "Você vai o museu do Lobito, só encontra máscaras e peças da cultura Lunda Cokwe; Vem a Luanda, é a mesma coisa. Afinal onde estão os patrimónios dos ambundu, dos ovimbundu?", questionou o académico, que de seguida rematou: "Sem memória, você não tem como transmitir a história. " Tudo o que temos é do Leste, claro, porque é onde funcionou a companhia de diamantes, que tinha esta preocupação de recolher e classificar. Haja quadros do sector da restauração museológica e um repensar de políticas culturais para a representatividade que se impõe num país que se define por isto mesmo, um conjunto de pequenas nações. 
Gociante Patissa, Benguela, 03.03.15
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segunda-feira, 2 de março de 2015

Crónica| Da palavra falada à palavra cantada, o carisma de António Firmino "Tula"


Recebi de oferta o disco de estreia de Antonio Firmino Antonio "Tula", conhecido sobretudo pela sua faceta de locutor de língua Umbundu na Rádio Lobito. O homem completa neste dia 4 de Março mais um ano de vida, contagem que começou em 1977.

A nossa amizade remonta ao ano de 2005, quando nos sentamos na carteira para aprender jornalismo e técnicas de comunicação, no Instituto Camões em Benguela, que albergava o curso básico de quatro meses, promovido pela APHA e respaldado pela Direcção Provincial da Comunicação Social. Na sua terceira temporada, era até então o que de melhor havia (se não mesmo o único) em termos de formação de profissionais do ramo. Residíamos ambos no Lobito e o trajecto era feito na maior parte das vezes em pé de autocarro, destes transportes colectivos e democráticos, que juntam o operário, o funcionário público e a candongueira e respectivos cestos com peixe e hortaliças numa mesma corrida.

Na primeira impressão ao ouvir as músicas do Tula, é impossível dissociar o locutor do cantor, ou não habitassem ambos na mente de um ser comprometido com a valorização da sua cultura através da tradição oral, comprometido com a missão de inverter a tendência decadente da conduta social, enfim, um mensageiro. É nas faixas 08 e 12 que me parece termos o ponto mais alto da criação, onde ritmo, harmonia, colocação de vozes e relevância do conteúdo batem no mesmo compasso.
  
Como quem parte em viagem para explorar novos sonhos e caminhos, olhemos para este primeiro CD como se fosse um percurso de ida, vai faltar o regresso, que é a parte mais confortável da viagem. Sim, o amigo Firmino Tula, com essa estreia, acaba de franquear as portas para um desafio ingente. A persistência, a capacidade de ouvir e permitir-se à auto-crítica, entre outros valores do fazer artístico, é que vão determinar se vinga no ramo da música ou se se vai dar por satisfeito com uma única experiência.

Para terminar, se me permite a brincadeira, gostaria de discordar do título, segundo o qual - cito - «a minha vida mudou». Não, a tua vida está intrinsecamente ligada à vida do teu povo, das suas aspirações e da luta pela preservação e divulgação cultural. Logo, se neste campo ainda não há mudanças encorajadoras, a tua vida também não pode, ó activista social, ter mudado. O caminho é para frente, e vamos a isso. Estou contigo.

Gociante Patissa, Benguela, 2 Março 2015
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domingo, 1 de março de 2015

Ensaio| Oratura: «Sulunla» e o carácter sociopolítico de uma canção

Gociante Patissa, Benguela 13 de Setembro de 2012 (Foto: Development Workshop)

«Sulunla» é título de um tema do cancioneiro do grupo etnolinguístico ovimbundu, que se pode dizer que ganhou mais visibilidade com a roupagem no estilo sungura dada por Bessa Teixeira, natural do Huambo. Não deixa de ser bela a versão mais branda do benguelense Fedy (autor de «Kalupeteka»), mas é em Bessa que se evidencia, no ritmo dançante e no espírito, uma maior proximidade à essência.

Com Bessa Teixeira, o tema foi tão-somente a joia da primeira edição do álbum (colecção nascida na pirataria) «Sucessos do Huambo», em 2003. Naquele mesmo ano, foi o segundo mais votado do Top dos Mais Queridos, concurso anual da Rádio Nacional de Angola, edição ganha por Patrícia Faria, a ex-integrante do grupo «As Gingas», conhecida por alguns êxitos do seu disco de estreia, nomeadamente, «Pacheco» e «Caroço Quente».

«Sulunla», daqueles temas bem metafísicos, chegou a ser receita obrigatória em quase tudo o que fosse farra por esta Angola, não importando o desconhecimento da letra – e é aqui que reside o motivo destas linhas. Há uma conjugação bem elaborada entre a voz (projectada um pouco acima do habitual) e o ritmo quente – aqui aliás a vantagem. É um trecho relativamente curto, talvez seja por isso que «sulunla» surge sempre encaixado em rapsódia. Assim o fez Bessa Teixiera, assim o fez Fedy.

Eis o extracto e respectiva tradução livre: «Ukãi wasoma ka la wala onanga/ Etali wayiwala/ Ukãi wasoma ka la wala onanga/ Etali wayiwala (…) Sulunla, osõi ku kwete la nãwã/ Ndilisunlunla?/ Sulunla, osõi ku kwete la nãwã!» (A mulher do Soba nunca foi de usar panos/ E hoje está a usar/ A mulher do Soba nunca foi de usar panos/ E hoje está a usar/ Devo despir?/ Tira lá isso, que devias ter vergonha perante os cunhados!/ Devo despir?/ Tira lá isso, que devias ter vergonha perante os cunhados!)

Em se tratando de um tema satírico sobre a figura do «osoma» ou «soma» (rei), que teria dado origem à corruptela «Soba», torna-se relevante levantar alguns aspectos de ordem antropológica e sociológica, para uma melhor compreensão do papel das canções interventivas. Seria uma canção nascida «pesenje» (na pedra), «poloñoma» (nas batucadas), ou no «ocipata» (o quarto do velório)? Entre os ovimbundu, pelo menos falando dos de Benguela para não perdemos o foco, existem estes três cenários para punição comunitária de condutas e defeitos por via da canção, não havendo por vezes, digamos assim, a noção ocidental de vida privada.

Assim, temos: (a) «na pedra», onde as mulheres passam o dia transformando bagos de milho em fuba com ajuda de «upi», triturador de madeira acotovelado, que marca o compasso ao coral improvisado e quase perfeito; (b) ao contrário da pedra, que é marcadamente uma arena feminina, no batuque oñoma», em Umbundu) é inquestionável a superioridade masculina em torno da figura mítica «ocinganji» (também chamada de palhaço), para quem se toca o melhor possível do ritmo dos tambores, não havendo cuidados quanto ao uso da linguagem. Um outro cenário é (c) no «ocipata», o quarto em que estiver assentado o cadáver antes do funeral, o qual depois se transforma em palco de machos e umas poucas mulheres, até o varrer de cinzas. Nesse ritual, também não há temperos na linguagem, daí o acesso restrito.

Considerando que a educação tradicional desencoraja a mulher de verbalizar abertamente a sexualidade e/ou afronta às autoridades, e ainda porque não há como planificar as actuações no «ocipata», uma vez dependerem da ocorrência de mortes, tomamos como válida a tese do velho PATISSA, Manuel (1916- 2008), segundo a qual «sulunla» – cujo significado é «despe-te» – encaixa-se no repertório do «ocinganji». No entender da nossa fonte, a origem da canção reside num repúdio à corrupção das autoridades tradicionais africanas, aquando da invasão do regime colonialista português.

É em Arjago que encontramos evidência ainda mais precisa:

“A partir da década de 40 assistimos a institucionalização de regedorias por todo o país com uniformes brancos e bandeiras erguidas nas suas residências. Para tal era preciso pactuar com o regime colonial. Perante a situação, os Sobas dividiram-se: uns a favor, outros contra o colonialismo, dependentemente das capacidades que tinham de resistir ou de sobreviver. Os Regedores reconhecidos pelo regime colonial passam a ordenado de 1.500$00, o suficiente para comprar 3 cabeças de gado por mês e vestir todas as esposas” (Arjago 2002, p.60).

Concluindo, diríamos que não obstante a euforia que o tema hoje transmite, «Sulunla» nasceu da mágoa social e é indicador da perda de legitimidade que grassou entre as autoridades africanas. Naquele contexto, a ostentação de vestes ocidentais pela mulher do Soba, a par de desvio de identidade, foi considerada um acto de corrupção material.

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Bibliografia

Arjago. (2002). Os Sobas - Apontamentos étno-histórico sobre os ovimbundu de Benguela. Benguela: edição do autor.
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A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

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