sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Paulo de Carvalho| excertos do sociólogo sobre o racismo

“Pode dizer-se que não há em Angola racismo que envolva violência massiva e praticamente não existem actos de racismo com violência. O racismo mais comum pelo mundo é o que pressupõe a supremacia dos mais claros, como se o dia tivesse supremacia sobre a noite e como se ambos não se complementassem apenas. Por cá existe este racismo tradicional, que foi herdado do período colonial. Mas existem também outras manifestações de racismo, que pressupõem que à supremacia demográfica de uns deva corresponder a sua hegemonia e o afastamento dos grupos “raciais” menos expressivos.
Um e outro racismo consideram elevada dose de egoísmo, pois em cada um dos casos se pega nalgumas das diferenças somáticas perceptíveis para tirar algum benefício. Esta é a questão fulcral a considerar: tal como sucede com a utilização da diferenciação étnica, também se utilizam supostas diferenças “raciais” de forma mais ou menos subtil, para procurar tirar vantagem económica, social ou política. Temos, pois, de estar atentos a isso 
(…)
A esmagadora maioria dos colonizadores e seus descendentes abandonou Angola, de modo que terão desaparecido muitos dos focos de racismo tradicional. Os “brancos” que ficaram são maioritariamente pessoas que estavam contra a colonização, pessoas até que lutaram contra a colonização, com armas e com canetas na mão. Portanto, o processo de descolonização em Angola e em Moçambique não fez perpetuar a manutenção do poder por parte de quem o detinha antes. Essa possibilidade existia, mas felizmente não ocorreu.
(…)
Parece-me que estão erradas aquelas pessoas que consideram “raça” e etnia no mesmo patamar. Uma coisa é a identidade étnica e outra a “raça”, enquanto construção social que supõe aquelas diferenças físicas ou somáticas que nos interessam. Por que razão a tonalidade da pele ou o formato do nariz hão-de ser biologicamente mais importantes que o formato das orelhas ou o tamanho dos dedos? Mas as “raças” foram socialmente construídas como foram, de modo que temos de viver com isso. Agora, mesmo que consideremos a existência de várias raças humanas, não podemos colocar “raça” e etnia no mesmo patamar. Ambas essas identidades são aprendidas socialmente, mas enquanto a identidade étnica está presente em nós, com base nos nossos elementos culturais e na nossa vivência, a verdadeira identidade racial existe apenas naqueles países onde há racismo institucionalizado. Angola está fora desse grupo, felizmente."

(In entrevista ao jornal O País, retomada pelo Club-k)
Nota do blog Angodebates: Parece-me que a intenção do jornal foi boa, mas não deixa de ser pouco realista abordar o assunto do racismo em Angola não ouvindo pessoas das mais distintas origens e posições sociais. É como se diz em Umbundu: "epute lyukwene ka lyukuvala" (Não se sente dor física da ferida alheia)
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