sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Nota solta: O menos pior


Há uns sete anos, lutei civicamente para que a minha mãe passasse a receber aquela pensão a que as viúvas têm direito. Pouco tempo depois passei a lutar, passivamente, para que ela não mais a recebesse. Explico. Quando a agência BPC em que ela recebia entrou em obras, passaram a frequentar a dependência da Kalomanga. E num destes dias, ela perdeu o bilhete de identidade e a ficha da Segurança Social. Dias antes, estive com ela no banco e achei simplesmente repugnante a forma com que os funcionários tratavam os idosos. Há um que, confesso, passei a marcar pela negativa – do tipo, se esse homem precisar de alguma decisão minha para algo, será lembrado da humilhação daquele dia. Na sequência, quando fomos pedir ao banco que cancelasse a conta até que a velha tratasse outros documentos, descobrimos que alguém fora levantar cerca de dois meses de pensão, assinando com rúbrica e sob procuração, quando só o Instituto de Segurança Social poderia emitir tal procuração, sendo também obrigatória assinatura legível. Fomos ainda anunciar via Rádio Morena na vertente de perdidos e achados, em vão. Postos na Agência Jardim, nenhuma explicação satisfatória nos foi dada, o que só pode dar a entender que um funcionário do banco operou a fraude. Ainda fomos à Segurança Social para saber quem havia emitido tal procuração, cuja cópia ninguém tinha, nem o banco. Um amigo na altura sugeriu irmos ter com um advogado amigo seu, que ficou com o processo por aí meio ano, com promessa de ajudar a formalizar queixa junto da Polícia. Mais tarde, mercenário como a profissão lhe permite, e já com tanto tempo perdido, disse que nada faria, tendo em conta a insignificância dos sete mil kwanzas burlados. A única coisa de boa no meio de tudo isso é que a velha não precisa de voltar àquelas filas longas de velhos atrás de pensão de viúvas e reformados, ela que tem força de sobra para a sua lavra familiar e filhos para os complementos necessários. No outro dia, em finais do ano passado, estive a falar com ela sobre o assunto, mais na vertente do alívio. Surpreendentemente, ela me disse: “Una wombihã handi hanse” (literalmente, aquele, um tanto feio, é o menos pior), referindo-se precisamente ao homem que eu vinha marcando ao longo desses anos. Quer dizer, o que eu vi de mau atendimento para com os idosos foi pouco.

Gociante Patissa, Catumbela 1 Fevereiro 2013
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2 Deixe o seu comentário:

Manuel Luis disse...

Custa engolir esta desumanização. Um local onde eu não gosto de ir.
Abraço

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Outro abraço, caro Manuel Luís.

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