sábado, 8 de setembro de 2012

"O dia da partida" - Homenagem a Aguiar dos Santos, por Sebastião Panzo



Fonte: Mural do Facebook do autor

Permita que lhe conte sobre um companheiro:

“O que é que quer?” – Perguntou-me um homem mulato.

Ele nasceu do cruzamento racial que marcou a matiz da relação entre angolanos e portugueses, especialmente no período colonial.

“Trouxe um artigo para publicar “, - Respondi.

“Assim, manuscrito? Quem pensa que vai digitalizar este texto por ti?” – Perguntou-me.

Sem que me desse tempo para responder, ordenou.
“Arranjem-lhe um computador. Sente-se e escreva o seu texto” – orientou.

O diálogo marcou o começo da minha relação com Aguiar dos Santos, que hoje deixa o espaço físico e passa a viver na minha e na memória de muitos leitores do semanário Agora, amigos e familiares.

Foto de autor desconhecido
SEGUNDO JORNAL 
DE ANGOLA:
O director do semanário

 “Agora”, Aguiar dos Santos, 

faleceu na madrugada de ontem, 

em Luanda, vítima de doença, 

aos 57 anos. Aguiar dos Santos
 padecia de diabetes, há já algum tempo, 
enfermidade que motivou, em Março
 último, a realização de uma intervenção
 cirúrgica para a amputação de um 
dos membros inferiores. (...)
Quanto ao futuro do semanário, o chefe 
de redacção disse estar a depender de uma 
decisão que vai sair de uma reunião, nos 
próximos dias, dos membros fundadores 
e sócios do periódico. O semanário “Agora” foi 
fundado em 1997 por uma sociedade formada 
por vários jornalistas e Aguiar dos Santos 
esteve desde a primeira hora à frente do projecto. 
Aguiar dos Santos trabalhou para vários 
órgãos de informação, nomeadamente a Angop, 
o Jornal de Angola, a “Revista Novembro” e
 o “Correio da Semana”.
No semanário Agora, Aguiar dos Santos ensinou-me a liderar homens, a comandar equipas de jornalistas, a lidar com o stress da profissão, a separar a opinião da pura informação e a ser…ousado.

Foram seis anos de relação intensa como seu profissional e doze como amigos. Chamava-me “Ngambaxi” ou “Kota Sebas”.
Aguiar dos Santos aconselhava-me constantemente a ser focado e, preferencialmente, a trabalhar exclusivamente para a sua publicação.

Na verdade, fui sempre, do ponto de vista profissional, um pouco irrequieto. Sempre quis experimentar várias posições e empregos ao mesmo tempo. Tive momentos em que trabalhei, no mesmo período, como editor do Agora, na Ebonet, correspondente no Afrique Information Afrique, redactor de espaço radiofónico na LAC e editor do site NetArtes e da Ebonet. Foi o ponto em que mais divergimos.

“Kota Sebas. Vá com calma”, dizia-me.

Aguiar dos Santos sabia ser amigo, ríspido, teimoso, intempestivo sobretudo com erros, atrasos, incoerências de colaboradores ou posicionamentos de políticos que o desagradavam. Vivia as suas emoções no limite. Bebia. Fumava. Debatia sobre os mais diversos temas. Era autêntico. Leal para com os seus. Fiel à sua convicção. Respeitador da língua de trabalho. Amante inveterado do bom Jornalismo. De quando em vez, falava-nos sobre a sua trajectória profissional.

As minhas viagens internacionais afastaram-me um pouco dele. Reencontramo-nos algumas vezes em Luanda, já sem aquele vigor de outrora, mas sempre agarrado à vida e à actualidade do país.

“Kotas Sebas, como vai?”- Saudou-me, pela última vez, quando nos cruzámos na avenida de Portugal, numa manhã ensolarada, em Luanda.

Nos últimos 24 meses, sua figura surgia-me entrecortada em forma de notícias passadas por amigos: primeiro, a amputação da sua perna. Partilhei minha tristeza com a minha esposa. Hoje, em definitivo, o telefonema do amigo Tandala.

“Epá, Sebastião, tenho uma notícia triste. É o Aguiar. Morreu esta madrugada” – Informou.

A morte chegou. Arrebatou Aguiar dos Santos. 
Enquanto teclo para digitalizar estas breves memórias, ressoa o comando dado.

“Ninguém vai escrever este texto por ti”.
Obrigado, AMIGO Aguiar dos Santos. Paz à sua ALMA. Até ao nosso próximo reencontro…na outra dimensão.
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Não era suposto gostar de algo nessa circunstância de luto, mas gostei da homenagem: curta, profunda e humana. Que seja lembrado por essa pátria o Aguiar.

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