domingo, 29 de agosto de 2010

Crónica: Músico Presilha da B’Max ou o magrito Kinito Calei do morro do Lobito?

Há muito que venho adiando esta crónica, digo há cinco anos, o que pode muito bem não ser tanto assim nessa era da “ditadura do relativismo”. As razões do adiamento são pessoais e nacionais ao mesmo tempo. Nacionais, porque temos um país onde se tornou suspeito tecer elogios, públicos ou não, a pessoas bem sucedidas ou figuras notórias da sociedade – isso, por causa de gerações que, para a nossa desgraça, usaram e abusaram da fórmula, ao ponto de o elogio, que era suposto brotar do coração, passar a vir da garganta, descendo em direcção ao bolso, naquela táctica da letra “B”. Pessoais, porque sendo filho de minha mãe, para quem a pessoa deve aprender a usar o nariz, é já tarde para aprender o contrário.


Cruzei com ele pela primeira vez, em 1999, na Zona Comercial (28) do Lobito. Foi-me apresentado como irmão do colega de serviço com quem partilhava a suite no terraço do prédio defronte a Gráfica Magalhães (o que não era verdade, vim a saber mais tarde). Na altura, a moda era usar calças Jeans da marca Levi’s Strauss 501 (straight), adquiríveis somente no mercado paralelo de balões de roupa usada “fardo”, daquelas que tinham os guardacintos laterais pregados à costura mais abaixo, por outras palavras, as que “pregavam”. Moda também era investir em tudo que fosse camisa ou camisola de marca.

Kinito Calei. Franzino, humilde, algo acanhado, mas com aquele aspecto visível de quem queria ir longe. Ainda o vejo com o teclado a tiracolo, na paciente frequência às aulas de órgão do mestre Semedo, pai dos Impactus 4, que residia bem ao lado da Casa do Desportista, mais ou menos onde actualmente fica a DHL. Kinito, que com o tempo foi adoptando a alcunha de “Presilha”, morava na Zona Alta do Lobito, precisando de apanhar um táxi até à praça do Chapanguele e daí outro para chegar à Zona Comercial, o centro da cidade. A minha relação com o colega foi-se incompatibilizando, terminando a coabitação já no fim do curso de informática, que era a razão de eu ter ido morar sozinho pela primeira vez na vida.

Naquele mesmo ano, fundei com amigos a AJS, uma pequena ONG angolana que adoptou como divisa “Humildade, Justiça e Solidariedade”. E a primeira oportunidade de capacitação foi um seminário sobre elaboração de microprojectos, onde conheci a Zila Calei, isso já em Agosto de 2000. Além de bonita, ela tinha um nível de Inglês raro para as meninas autodidactas, mesmo. Foi ali que fiquei a saber da história de persistência musical da família Calei. O pai, funcionário bancário reformado,  é mentor de um sonho que o levou a investir em meios e capacidades para com os filhos cantar, buscando almas para Deus. “Conversão” é o nome da banda, de que conheço o Heth, baixista, Kinito (DJ Presilha, se quiserem), tecladista e guitarrista, Zila, vocalista (não cheguei a conhecer pessoalmente a Mãezinha, também vocalista).

O mais-velho Calei tem passagem pela IESA (Igreja Evangélica Sinodal de Angola), a mesma de minha família. Serviu ainda a Cruz Azul, um movimento cristão de combate às drogas. Talvez um pouco contra a vontade do pai, Joaquim Valeriano Calei viria a “fugir” para Luanda, sendo recebido e retemperado pelos estúdios da Beto Max Produções. Mas em 2001, ainda no Lobito, recordo ter visto o jovem preocupado em programar acordes no órgão para o show com Euclides Dalomba. Portanto, já estava bem encaminhado. E antes da ida a Luanda, onde conquistou todo esse sucesso como produtor e tecladista da Banda Voga, rentabilizava os meios e as capacidades, enquanto produtor de instrumentais e sonoplasta caseiro, pelo que cobrava qualquer coisa como USD 15 por música. Pessoalmente encaminhei Don Refer, com o tema promocional “kamba do peito”, um produto final que agradou a minha sensibilidade.

Em 2004, tive o Heth e o mais-velho Calei como convidados no “Palmas da Paz” (era de Zila a voz feminina dos indicativos e vinhetas do programa), que eu realizava e moderava ao serviço da AJS através da Rádio Morena Comercial. Falamos do contributo dos artistas à reconciliação nacional. Nessa altura, já tinham um CD, que me parece não ter sido devidamente promovido e continua desconhecido, até em Benguela. Em 2006, a Rádio Luanda premiava Presilha como melhor artista produtor daquele ano.

Confesso que sempre me intrigou o facto de o DJ Presilha, que chegou a acompanhar Patrícia Faria no Kora, aparentemente não “puxar” a Zila, também a residir em Luanda. Finalmente, ao passar pelo programa “Hora Quente” de Pedro Nzagi, na semana passada, o rapaz deu a notícia que sempre esperei: “Nós temos um grupo familiar, a Banda Conversão. A Banda continua, vamos já agora, se calhar, é tirar outro CD”. E não fiz outra coisa quando o vi, hoje, no meu local do ganha-pão. Usando o meu direito de mais velho dele de há onze anos, confrontei-o em tom policial. “Kinito, aquela informação que avançaste, sobre a vossa banda familiar estar a preparar um disco, é mesmo verdade?”, ao que me respondeu “sim, é”.

Assim sendo, só me resta reiterar meus votos de êxitos à família Calei, da Banda Conversão, no fundo a origem de todo o sucesso do produtor musical Presilha Calei (que a solo tem já três álbuns). Assim é que é!

Gociante Patissa, aeroporto da Catumbela, 29 Agosto 2010.
Foto da Zila tirada do seu Facebook (não me leves a tribunal, faz favor, ya?)
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3 Deixe o seu comentário:

AGRIDOCE disse...

Cinco estrelas a este texto panegírico.
Pelo enredo, pela forma sábia como foi passada a mensagem.
Os melhores êxitos ao CD do Presilha.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Muito grato, Agridoce, pelas palavras. Que Presilha (o rapaz Kinito) e a família Calei sigam consolidando o espaço na arena musical, não só angolana mas tb internacional.

Amélia Ribeiro disse...

Olá amigo Patissa,

passo para dizer-te que não saberia viver sem os meus amigos.
Para ti, que fazes parte deles, vai o meu carinho e o meu agradecimento em forma de palavras escritas no meu blog. A acompanhá-las há um presente feito especialmente para ti...
Visita o meu Estados de Alma e verás...

Um beijo.

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