sábado, 19 de agosto de 2006

Como seria a vida sem vizinhos?

Foto de autor não identificado
Sobre o factor vizinho já se falou muito: ora vizinho é melhor que família, ora vizinho só é bom quando não atravessa o muro. Quando é que começou a existir vizinhança, ainda está por saber. Mas a relação entre vizinhos é um daqueles temas de debate eterno, tal como o bem e o mal. Já serviu de matéria para romances, canções, produções televisivas e, infelizmente, também para tribunais, e por aí fora. Normalmente estão em causa o conflito, o boato, a intromissão em assuntos de família, e, já nos últimos tempos, o barulho da música ou do gerador da casa ao lado. Não teríamos mais paz vivendo sem vizinhos? Você já pensou nisso algum dia?
Havia um homem chamado Ferramenta que um dia resolveu realizar um sonho antigo: o de livrar-se dos vizinhos. Mas como? Foi na procura desta resposta que dedicou bons anos de sua vida a trabalhar duro, a economizar milagrosamente o pouco que conseguiu ganhar durante mais de quinze anos. Assim, a esposa só tinha que ir ao salão para tratar da beleza – evitando os dedos da vizinha que ganhava mais um mexerico pela trança; os filhos tinham computador, telemóveis, Internet, e todo o aparato possível para fazerem amigos sem precisarem o entra e sai da vizinhança; reuniu todo o equipamento de limpeza e higiene possível, deixando para sempre de precisar mobilizar os vizinhos para a campanha de limpeza.
Que não seja possível escolher os pais, avós, irmãos, tios, etc., que gostaríamos de ter, isso é algo com que temos de nos conformar. Cada um nasce e assume os restantes graus de parentesco, como o manda a lei da árvore da família… e não há como escapar. Mas nada mais o irritava do que as refeições atrasadas porque a esposa foi bater papo, os filhos da casa ao lado entrarem e saírem, ou os olhos da rua por cada artigo de valor que o vissem trazer para a casa.
Uma vez reunidas as condições, foi ao deserto viver numa casa projectada no isolamento, como sempre quis – sem vizinhos! A distância era por aí quinze quilómetros do seu antigo bairro. Tudo o que se ouvia à volta da casa era o assobiar dos pássaros, o soar do vento e até o jardim crescer, deleitavam-se observando a variedade de bichos. A vida tinha melhorado, e de que maneira! Afinal, quem é que não gosta de sossego?! Viviam uma paz perfeita até um dia ser invadido por antigos vizinhos numa onda terrível de violência. Os quinze quilómetros de deserto foram insuficientes para impedi-los. Tudo porque uma águia que sobrevoava o antigo bairro resolveu roubar um bebé que descansava ao pé da árvore. E então os moradores da aldeia decidiram seguí-la. Um tempo depois, e já cansada, a águia decide largar a presa. Só que, coisas do destino, o bebé foi pousar exactamente na nova casa do senhor Ferramenta.
– Pois então – indignaram-se os antigos vizinhos ao chegarem – mudaste de bairro é para roubares os bebés dos outros usando águias? Seu feiticeiro do raio!
Pouco tempo teve para se defender, mas a maioria caiu por cima dele com uma boa surra. Sobre ele pesava – e ao que parece para sempre pesará – a incisiva acusação de o isolamento ser só um projecto para o roubo de recém-nascidos. O grande desafio é convencer a sociedade do contrário, já que, quem é que em sã consciência acredita numa vida sem vizinhos?
Moral da estória: existem normas que servem de padrão para evitar medidas extremas no relacionamento entre as pessoas. Até porque cada um de nós é vizinho de alguém.
Adaptação: Gociante Patissa, 27 de Maio de 2006
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